Concerto e Audição Pictórica

Happening realizado na sala de exposições da Galeria Divulgação, 7 Janeiro 1965, no contexto da exposição Visopoemas. Poesia, música e performance. Participaram: Jorge Peixinho, António Aragão, Salette Tavares, E. M. de Melo e Castro, Clotilde Rosa, Mário Falcão e Manuel Baptista. [Textos (transcrições). Imagens. Ligações. pdf]


V(l)er tb > «Visopoemas»; «Suplemento do Jornal do Fundão»


Programa >

Transcrição >

CARTRIDGE MUSIC — JOHN CAGE

no INTERVALO I:

… escutar-se-á como música de funto

O FUNERÃO DO ARAGAL — ANTÓNIO ARAGÃO

PEÇA 59 (MÚSICA NEGATIVA) — E. M. DE MELO E CASTRO
(1.ª audição mundial)

A PORTA NEGRA — JORGE PEIXINHO

Zzzzzzzz………………… Rrrrrrrr!…
(esta obra não será dada ao público por provocar sono)

SUITE FOR TOY PIANO — JOHN CAGE

ELECTROVAGIDOS — JORGE PEIXINHO

SONATA AO LU…AR LIVRE
(esta obra não será apresentada cá porque não há ar livre)

no INTERVALO II:

FOCO E RUÍDO

CONCERTO A METRO (MARCHA MILITAR)

BALOPHONIA
(com a participação do Espírito Humano)

BIDOTRÁFICO

extra-programa (se houver bises):

ÁRIA À CRITICA — SALETTE TAVARES
(interpretada pela autora)

(a ordem do programa será alterada pelos seguintes motivos
(im)previstos):

______
______
______

intérpretes
antónio aragão
clotilde rosa
e. m. de melo e castro
jorge peixinho
manuel baptista
mário falcão
salette tavares


Conteúdos >


O FUNERÃO DO ARAGAL — ANTÓNIO ARAGÃO


PEÇA 59 (MÚSICA NEGATIVA) — E. M. DE MELO E CASTRO

Peça 59 música negativa ou Poema, in Poesia Experimental: 2º caderno antológico (1966)

Transcrição >

[antes da pauta]
[sinal quadrado] – percutir no ar ou procurar uns olhos em plena rua
[sinal triângulo] – agitar no ar ou estar definitivamente só
[sinal círculo] – percutir pousado ou a inquietação
[depois da pauta] — segundo esta pauta foi apresentada em lisboa – concerto e audição pictórica de 7/1/65 – a música negativa : então A B C eram 3 instrumentos de percussão. Agora, no poema, que deve ser lido segundo o valor morfosemântico dos sinais indicados, A B C podem ser 3 caminhos de procura .


Música negativa [Realizado entre 1965 e 1977 | Duração: 3’56”]

“Este filme é sonoro”, lê-se no início de “Música Negativa”, de E. M. de Melo e Castro, que explica ainda: “Música negativa (1965) nada tem a ver com a valorização musical do silêncio. Tem a ver (porque é para ser vista) com a ausência do som. Começou como uma brincadeira infantil e continuou como metáfora contra a impostura do silêncio e da censura salazarista, em Janeiro de 1965, sendo uma das participações no happening organizado por Jorge Peixinho Concerto e Audição Pictórica na Galeria Divulgação, em Lisboa. Este filme foi realizado por Ana Hatherly em 1977, tendo o autor como performer.” (in ‘O Caminho do Leve’).


ÁRIA À CRITICA — SALETTE TAVARES

[Manuscrito cedido pela família de Salette Tavares]

Transcrição [a partir de manuscrito autógrafo] >

ó Ó Oh!
cricricri
cri     cricri     cricri
óó cri
óó   óó   cri   ticri   cricri
criticri    ticri    criti
criticri   criticri   ticriti
Oh!
criti… criti… criti… criti… criti…
criti… criti… criti… óóóóóó criti…
criti… Criti criti criti (intervenção sonora)
CRITI         CUS
(Lírica)
Da nó     da nó     da nossa terra
Oh! das cátedras nos jornais
ou noutros muitos sítios onde instalados
com grande espaço para o dito traseiro
surrealisticamente amputados
am     putados
am     putados
(intervenção sonora) da parte superior do
corpo por uma secção paralela ao nível
do assento
para     lela
para     lela
pa   ra   lela ao nível do assento e
que passa com a inclinação vulgar que
têm as cómodas instalações em relação à horizontal,
por cima das sobrancelhas mutilando o ouvido interno
até à base que as vértebras cervicais estabelecem
nesse cimo mais cimo mas deixando-vos
as orelhas     (o pavilhão)
o pa  vi  lhão     completamente à solta bem como o recheio das órbitas intocadas
Ó    cricri    ti    cus
nós servimo-vos há muitos anos
a simplíssima consciência de um ofício agora
que o peso dos anos antes que [viveis]
transformou em enormes ratoeiras
nascidas de pequeníssimas rasteiras.
Os nossos espelhos são logicamente cegos
sem metáfora
devolvem a imagem
os sonetos patetas são patéticos como o João pateta da história
os adjectivos são substantivos ou vice versa e reversa
porque construímos a gramática
as virgulas inúteis já não separam substâncias que sempre se usaram separadas
pomos intervalos nas linhas, pausas sem sinai[s]
impostas na estrutura caminho
que o trânsito dos olhos exigiu
na variedade crescente da hora e dos sentidos novos
Invenção de espaço
ritmos e antiritmos
as palavras inteiras
as palavras cortadas em bocados inteiros
as palavras cortadas que não suportam os vossos
erros de ortografia quando suprimis o espaço
que assim as partiu e recriou
ó irresponsáveis e ignorantes,
que a toda a hora usais a linguagem culinária
das formas e conteúdos
(para não dizermos tudo).
Nós servimo-vos pasteis de massa tenra
com recheio e
pela vossa preguiça não désteis pelo recheio tão intensamente exigido.
O nosso recheio pede só as faculdades normais
dos sentidos todos a trabalharem e
sobretudo      um sobretudo bem talhado
à moda, que muda em cada hora no sentido crescente do espírito que se actualiza e
acrescenta na medida em que sabe consumir.
Mas vós preferis pasteis de massa tenra
comidos com garfo e faca, talhados com
a antiquíssima fôrma do hábito
e heis-vos
cri    cri    cri    ti    cus
(silabado rápido)
cricriti    cus (intervenção exterior: da Ca[fetaria]
cricriti    cus da nó ssaté rra
guardai as vossas cátedras nos jornais
ou nos outros muitos sítios onde instalados
com grande espaço para o dito traseiro
podeis continuar surrealisticamente amputados
da parte superior do corpo pela secção paralela
ao nível do assen[to]
e que passa com a inclinação vulgar das cómomodas instalações em relação à horizontal
por cima das sobrancelhas mutilando o
ouvido interno até à base que as vértebras cervicais estabelecem nesse cimo
deixando-vos as orelhas, o pavilhão,
completamente à solta
bem como o recheio das órbitas intocadas
óó     óó-óó     cricri     cricri     ti     cus.


Recepção crítica >


Ana Hatherly

«Uma manifestação de Neodadaísmo», in Diário Popular, «Semana Musical», 28-01-1965 [in PO.EX: Textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, org. Ana Hatherly & E. M. de Melo e Castro, pp. 46-48].

Transcrição >

Na Galeria Divulgação realizou-se, há dias, um «Concerto e Audição Pictórica», a que fui convidada a assistir. Este espectáculo realizou-se na sala de exposições da Livraria onde estava decorrendo uma exposição de «Visopoemas» de alguns dos autores do volume «Poesia Experimental», recentemente publicado em Lisboa.

O «Concerto», chamemos-lhe assim por enquanto, foi o que se poderá chamar uma manifestação de «neodadaísmo». Músicos e poetas, colaborando neste espectáculo, quer pela sua presença, quer pela presença das suas obras, retomam o entendimento «dada» primeiro entre escritores e artistas.

Para realizá-lo colaboraram também, entre outros, os seguintes elementos: o público, um caixão, um piano de meia cauda, instrumentos de percussão vários, balões, metrónomos, uma harpa, um piano de criança, palavras soltas, chocalhos de várias espécies, com e sem badalo, uma flauta de bisel, uma couve, um bidê, risos, pandeiretas, música de Chopin, um ré-ré, um despertador, um rolo de papel higiênico, um jarro de água, um brinquedo de corda, 2 violinos de criança (brinquedos), uma máquina de barbear eléctrica, um cravo (flor), uma casa de cão que ladra (brinquedo), pratos, guizos, um apito, espaço tempo, ritmo, luz, silêncio, uma pistola (brinquedo).

Para dar uma ideia da maneira como decorreu o espectáculo, descreverei sumariamente o número do funeral, que foi mais ou menos assim: E digo mais ou menos porque só consegui ver relativamente bem a partir do momento em que consegui subir para um banco que providencialmente apareceu na livraria. Devo acrescentar que na segunda parte do espectáculo consegui um lugar sentado no chão, mas na primeira fila. Quando então subi para o banco vi sentados a uma mesa alguns indivíduos comendo. Junto deles um caixão de defunto, verdadeiro, preto, decorado a fitas de prata. Dentro dele estava alguém, que eu não via, mas supunha ser o denominado Aragal. Ruídos de talheres, de mastigação, de sílabas confusas, marcha nupcial tocada ao piano (neste momento todos se lembraram do Noivado do Sepulcro), etc. Quando terminou a refeição, que durou cerca de dez minutos, os indivíduos que até então tinham estado sentados à mesa dirigiram-se para o caixão e começaram a atirar lá para dentro: cascas de laranja, bocados de pão, flores, polvilhando o morto de sal e pimenta. Então o número termina: ergue-se o morto-vivo e retiram o caixão da cena.

A seguir transcrevo um escrito impresso num dos vários cartoes-catálogo da exposição que me foram distribuídos e que creio ser da autoria do poeta E. M. de Melo e Castro. Na minha opinião ele elucidará os leitores quanto aos fins visados por estes artistas: «se a vanguarda é necessária na desmitificação das estratificações sociológicas anquilosadas (quaisquer que eles sejam) a poesia experimental é já maturidade do CAOS como rigor da invenção – vide princípio da entropia: medida da desorganização de um sistema. o grau de entropia do universo está em constante aumento. o trabalho criador do artista experimental é precisamente criar estruturas atomizadas de grande entropia pois quanto maior for a entropia dessas estruturas maior será e mais vasta será a informação possível – baseada no cálculo das probabilidades. o utente do poema que se aperceba das informações que for capaz. por isso e para isso aqui se experimentam os objectos e as pessoas em actos vulgares muito simples deliberadamente fora do seu contexto organizado quotidiano – redescobrindo o caos com as nossas mãos – experimentando.»


Salette Tavares

«Carta de Salette Tavares para Ana Hatherly» [9-01-1975] >

Durante a exposição na Divulgação fizemos um espectáculo, escândalo para muito parvo, com a excelente colaboração de Jorge Peixinho, Mário Falcão, Manuel Batista e outros artistas. Fraco o primeiro número por defeito do texto ou da falta de tempo para a colectivização da acção a outro nível. Mas excelente tudo o resto. A partitura do silêncio de Melo e Castro, Foco e barulho em que tivemos o prazer de surpreender o público em flagrante hipnotismo. A minha ODE À CRÍTICA, ainda inédita, foi dita como quem canta um lied encostada a um piano de cauda, e maravilhosamente acompanhada a bombo com o extraordinário humor de Mário Falcão. A gravação feita pelo Melo e Castro dá muito bem, tanto o silêncio espantoso durante a execução da sua partitura, como a minha ode. Uma história divertida aconteceu com o piano que para lá foi e a que eu assisti. No momento em que transportadores do piano com a sua técnica cuidadosa o inclinavam, rolou lá de dentro um ovo verdadeiro. Parecia uma história surrealista ao vivo. Um neto do proprietário usava o piano para esconder os ovos que roubava na cozinha.


E. M. de Melo e Castro

«António António Aragão Aragão» (Cibertextualidades 7, 2015)

Transcrição >

Este primeiro e talvez único happening em Portugal, foi um autêntico escândalo!

A proposta foi feita pelo músico e compositor Jorge Peixinho que numa posição interdisciplinar, contatou os poetas colaboradores da Poesia Experimental, mas também músicos como Clotilde Rosa (harpista da Orquesta Sinfónica Nacional) e Mário Falcão (multi-instrumentista da Banda da Guarda Nacional Republicana) e também o pintor Manuel Baptista.

O evento realizou-se na Galeria Divulgação, no espaço onde estava patente a exposição dos nossos trabalhos experimentais, chamada VISOPOEMAS.

António Aragão representou um papel que evidenciou uma outra faceta da sua múltipla personalidade: a transgressão, o humor, a denúncia e o absurdo.

O Funerão do Aragal foi um momento de absoluto humor absurdo …

Ao redor de uma mesa que foi trazida já posta, com pratos de comida, sentamo-nos e começamos a comer ruidosamente, mastigando e batendo com os talheres nos pratos… ao lado da mesa foi colocado um caixão de pinho onde o Aragão se deitou. Então todos nos levantamos um a um e despejamos os restos de comida dos pratos por cima do corpo do Aragão. Seguidamente levantamos o caixão e saímos lentamente da cena enquanto se ouviam acordes da marcha fúnebre do costume. O simbolismo era evidente tendo em atenção os mortos das guerras nas colónias de África…

Seguiu-se um solo da harpa …

No happenning cada participante tinha uma parte programada e outra improvisada… mas ninguém tinha a certeza do que iria acontecer, pois não conhecíamos o que cada um iria fazer.

A minha participação consistia na realização do poema gestual silencioso Música Negativa, na improvisação de Foco e Barulho e na participação em várias ações espontâneas e simultâneas com as dos outros participantes.

A Salette Tavares, entusiasmada, atirava rolos de papel higiénico coloridos sobre a assistência enquanto declamava a sua Ode aos Crí…Cri…Cri…Criti cus da nossa terra !!!

Creio que seria interessante estudar as reações que este acontecimento teve, principalmente nas páginas dos jornais, como Diário de Notícias e Jornal de Artes e Letras, onde ocorreu uma violenta ‘polémica’ entre o violinista surrealista Manuel de Lima e Jorge Peixinho… sobre a degradação moral e estética que o nosso happening representava (dizia o Lima !!!)

O intérprete das peças de John Cage foi Jorge Peixinho, mas com interferências de percussão e de harpa!… O Jorge Peixinho manipulou, que eu me recorde, pelo menos, um bidé, um revolver, um violino sem cordas… e um piano de brinquedo… mas de repente dirigia-se ao piano e tocava fragmentos de peças suas (?)…


E. M. de Melo e Castro

«Dois Acontecidos happenings», in In-novar, [pp. 57, 61 de O Fim Visual…].

Transcrição >

Na noite de 7 de Janeiro de 1965, na Galeria Divulgação em Lisboa, aconteceu alguma coisa a que se chamou “Concerto e Audição Pictórica”. (…) A equipa que realizou o “Concerto e Audição Pictórica” era a seguinte: Jorge Peixinho, António Aragão, Salette Tavares, Manuel Baptista, Mário Falcão, Melo e Castro, conforme consta no programa (…). (…) Esse programa parece-nos, a nós portugueses, simplista, de tão genérico que é, em relação à gravidade dos problemas que pretende resolver ou só equacionar. É que nós estamos de tal modo metidos e mantidos nos nossos compartimentos estanques do “nosso tabuleiro de ovos” que uma sucessão de actos insólitos ou meramente só simples feita colectivamente e segundo um mais ou menos vago programa nos parece antes de mais nada ridículo e inútil. Comunicação, nessa série de disparates? – Não!

Arte? – Nunca!

Educação? – Que ideia!

A arte, a educação, a comunicação são coisas muito sérias, que só seriamente (sem rir?) se podem realizar…

Tal foi o tom da crítica e da polémica que em 1965, nos jornais de Lisboa, se seguiu à realização do “Concerto e Audição Pictórica”. E creio que ainda haverá pessoas ressentidas com o esbanjamento de “talento” que nessa noite realizou Jorge Peixinho, ao tocar violino com uma arma de fogo, ao beber champanhe por um bidé, etc. etc., ou então Salette Tavares a cantar esganiçada uma ária à cri-cri-cri-crítica, ou António Aragão dentro de um caixão, ou até Melo e Castro (eu) a tocar música em instrumentos (chocalhos) silenciosos e a agredir as pessoas com focos de 1 000 W!!!

Foi de facto uma pena. Mas não é bem a essa pena que os críticos (principalmente musicais) apontaram que eu me desejo referir. Nesse happening a margem de improvisaçao foi enorme e por isso o ritmo diluiu-se um pouco e o envolvimento do público manifestou-se apenas pela excitação e indignação, em palavras azedas e discussões em termos pouco comuns (ai, como nós gostamos de nos indignarmos e depois não fazer nada…).


Depoimento de E. M. de Melo e Castro, por email, a Sandra Guerreiro Dias (12-04-2014)

O escândalo de todo esse happening [Concerto e Audição Pictórica] foi enorme e penso que dura até hoje… pela curiosidade que ainda suscita e a ambigüidade do conceito de happening ! Teve também as suas conseqüências pessoais, pois Mário Falcão perdeu o emprego … e Jorge Peixinho teve que suportar uma inacreditável polémica nos jornais, com o músico e crítico surrealista Manuel de Lima … mas muito tempo depois ainda os surrealistas argumentavam que aquilo não era um happening e que não tinha sido o primeiro…!!! Nunca encontrei a justificação objetiva destas afirmações.

A minha participação, chamada MÚSICA NEGATIVA, consistiu na interpretação ritualizada gestualmente, de uma partitura especialmente criada, usando três grandes chocalhos metálicos, sem os respectivos badalos que, portanto, não emitiam som algum. Essa execução durou cerca de 3 minutos. Passados alguns anos repeti esta performance para ser filmada em 16mm por Ana Hatherly. Mas muitas vezes a repeti com outros instrumentos sem som, como por exemplo garrafas de Coca-Cola… A metáfora do silêncio era polissêmica e facilmente apreensível… no sufoco que nessa época se vivia em Portugal.

FOCO E BARULHO consistiu em escurecer a sala para depois acender inesperadamente um foco de 1000 watts, voltando-o para a assistência, durante cerca de 30 segundos. Então apaguei o foco e começou um enorme barulho feito simultaneamente por todos os instrumentos ali existentes, o qual durou 15 segundos. O efeito sobre a assistência foi devastador pois a simbologia era evidente… Tudo durou pouco mais de 1 minuto, voltando depois a sala à luz normal.


E. M. de Melo e Castro

EU-DADA-HOJE [in In-novar, pp. 71-75, publicado originalmente em 20/2/72]

Transcrição [excerto] >

Falo por mim. A década de 60 foi de renovação e de revalidação DADA. Se tivesse vivido em 1914 em Zurique teria sido DADA. Após a exposição DADA no Museu de Arte Moderna de Paris em 1968, tornou-se muito difícil passar por cima de DADA. Não há razão nenhuma para que eu não possa ser DADA Hoje e Aqui. Mesmo para os surrealistas ortodoxos de Paris e de cás DADA voltava. Era um Perigo. Vendo bem que diferença havia entre Zurique 1914 e Lisboa 1964?

Ler transcrição completa de «EU-DADA-HOJE», de E. M. de Melo e Castro


Arnaldo Saraiva

«Um novo ‘espectáculo’: happening», in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 6 Julho 1966, pp. 1 e 3.

Transcrição [excerto] >

Recordam-se de uma sessão que há tempos foi levada a efeito pelos experimentalistas portugueses da Livraria Divulgação de Lisboa? António Aragão levantou-se um caixão, exalando um lírico e telúrico cheiro à cebola que sobre ele tinha sido derramada; Salette Tavares mostrou o seu candelabro alfabético, a que eu tiraria algumas letras (pura experiência), e leu uma violenta sátira aos cri-cri ticos, que infelizmente não acabou com a raça, o que terá levado o próprio O’Neill a repetir, mais tarde, o calembour; Melo e Castro compôs uma notável sinfonia com o movimento sincopado das mãos, só foi pena que ninguém a tivesse escutado; Jorge Peixinho descarregou o seu saco de pêndulos sobre uma mesa, pô-los a funcionar e abandonou-os assim aos assistentes que, durante minutos largos, tiveram os seus bocejos ritmados; e Falcão e Baptista animaram a cena com pífaros e pífias que, não obstante, acabaram por provocar a mais terrível tempestade que já se viu no mundo. Se não houve senhoras desmaiadas, gente espojando-se no chão (atapetado!), saltos, pinotes, livros surripiados à generosidade de Bruno da Ponte, gritinhos histérico-estéticos – isso deveu-se apenas ao facto de os presentes detestarem francamente todo e qualquer exibicionismo, confiando à sua psique os sons e movimentos que o corpo pedia.

Ler transcrição completa de «Um novo ‘espectáculo’: happening», de Arnaldo Saraiva


Polémica >


Manuel de Lima

«Concerto e audição pictórica sob a orientação de Jorge Peixinho na Galeria Divulgação» in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 20 Janeiro 1965, p. 11.

Transcrição [excerto] >

Partindo deste postulado de John Cage: Todas as coisas nos dão a sua música, uma porta que bate, um automóvel que passa, um grito perdido no silêncio, ou mesmo os instrumentos ortodoxos executados de qualquer maneira menos aquela que é apropriada, enfim, desde que toda a matéria sonora saída de qualquer fonte é logo música, torna-se aparentemente fácil, comodamente acessível, a realização de uma sessão musical à maneira de Cage, mesmo que não sejam músicos a elaborá-la.

Ler transcrição completa de «Concerto e audição pictórica sob a orientação de Jorge Peixinho na Galeria Divulgação», de Manuel de Lima


Jorge Peixinho

«Resposta a Manuel de Lima» in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 Fevereiro 1965, p. 5 e 12.

Transcrição [excerto] >

Uma primeira coisa me chocou na crítica eivada de inexatidões, falsos pontos de partida e contradições, que Manuel de Lima dedicou ao nosso concerto experimental: o facto do referido senhor haver subordinado toda a nossa participação espiritual à adesão incondicional ao compositor John Cage, tentando circunscrever o nosso acto artístico a uma simples identificação (ou imitação?) dos princípios estéticos, teóricos e ideológicos que têm norteado o referido compositor. Pergunto: o que é que autoriza Manuel de Lima a tirar semelhantes conclusões e porque razão tão facciosa (por ele e ó por ele aceite como válida) lhe irá servir para a sua posterior verborreia? O simples facto de havermos incluído no programa duas obras de John Cage? Ou por termos levado a efeito a realização de um concerto experimental, um espectáculo de teatro musical directamente aparentado com os «happenings» do referido compositor?

Começarei por aprofundar a segunda questão, mais ampla e fundamental.

Ler transcrição completa de «Resposta a Manuel de Lima», de Jorge Peixinho


Manuel de Lima

«Quando os Androides de Cage renegam o dono» in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 Fevereiro 1965, pp. 5, 12 e 14.

Transcrição [excerto] >

Antes de mais, meu caro Jorge Peixinho, deixe-me traçar uma breve análise sobre a influência que pode operar no meio musical, extensiva, porventura, ao meio cultural português, a sua inclusão no acervo das réplicas que se têm levantado contra a minha crítica. Se as outras vozes não foram, na verdade, eficientes, não só por se terem furtado ao assunto central, como pela carência de autoridade manifesta, não quer isso dizer agora, que não ganhem, pelo menos um certo volume, reforçadas com o seu depoimento.

Ler transcrição completa de «Quando os Androides de Cage renegam o dono», de Manuel de Lima