Visopoemas

Exposição Visopoemas, na Galeria Divulgação, inaugurada a 2 de Janeiro de 1965, com a colaboração de A. Aragão, E. M. de Melo e Castro, H. Helder, A. Barahona da Fonseca e Salette Tavares. Exposição colectiva com objectos, pinturas e cartazes. [Catálogo da exposição. Transcrições de textos. pdfs. Ligações. Imagens]


V(l)er tb > «Concerto e Audição Pictórica»; «Suplemento do Jornal do Fundão»


Capa do catálogo >


António Barahona da Fonseca

Transcrição [lista de poemas] >

ANTÓNIO BARAHONA DA FONSECA

I – HOMENAGEM A ISIDORE ISOU
II – POEMA EM 5
III – POEMA T – O SEXO
IV – POEMA DE LETRAS LÍQUIDO


Transcrição [poema] >

Colho as letras as sílabas
as palavras vivas
e meto-as na máquina lenta
de dizer

as rodas gastam-se no osso do poema
na pedra informe nas sílabas mudas
treme de pavor as letras frias
nos versos recentes saídos da prensa
nos versos fluidos letras apenas


António Aragão

Transcrição [lista de obras] >

POEMAS ENCONTRADOS (1963)
?
!
:
/
poderão ser feitas tantas
leituras quantas combi-
nações e mais outras
tantas quanto a distância
a que de distancia o leitor

VISOLUMINESCÊNCIAS

£
=
:

POEMAS (DES)INTEGRADOS
§
&
*

HISTÓRIA PARA O DIA SEGUINTE
+


Transcrição [texto “a poesia começa…”] >

a poesia começa onde o ar acaba. é qualquer coisa para depois da própria respiração. como o respirar é muito uma maneira nossa e (pre)vista da condição humana a que somos condenados, a poesia surge a partir desta condenação. mais justo ainda, a partir de toda a condenação. deste modo, só nos resta a queda no irremediável: a vertigem sem apelo, o jogo sem olhos, a ausência impecável de nós. daí o repúdio do lirismo e duma semântica convencionada à escala dos pessoais (des)gos / tos mais ou menos audíveis. daí a ambiguidade cómico-dramática em que nos assistimos. nenhuma ordenação é possível. nenhum suspiro pode já (co)mover. em vez de celebrar normas e preceitos que actuam na mediocridade da sujeição, procuramos, mais exactamente, descobrir o belíssimo cáos de nós próprios. antes o indefinido do que ser reduzido ao absoluto infrutescente da indefinição. antes o encontro com o desor / denado, num conflito sem génese nem juizo final, para atingir o risco de estarmos livres mesmo no discurso do desentendimento. um poema deve ser usado como um instrumento feiticista e consome-se em si numa espécie de ludus encantatório. por isso se dão nomes à matéria: inventa-se e destroi-se para que ela viva a sua tremenda metamorfose. a poesia deve ser tomada por todos os sentidos: quando verbal não deixará tam / bém de ser contra o verbo. queremos uma poesia que não explique conteúdos mas forneça estados: donde uma linguagem negra, ausência de estilo e o ataque à fraude da limitação: poesia-contra, poesia-recusa-que-acusa, poesia contra o instituido, o legal, o ordenado e convencional. poesia da liberdade por estarmos demasiadamente perdidos no cúmulo da condenação. antónio aragão

Ver tb > [A poesia começa onde o ar acaba…], António Aragão [in PO.EX: Textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, p. 39].


Herberto Helder

Transcrição [lista de obras] >

I – MÁQUINAS E LETRAS – 1963
II – POEMACTO – 1963
III – E ASSIM POR DIANTE – 1963
IV – POESIA DEPRESSA – 1963
V – AUTOBIOGRAFIA COM LÂMINAS
(ausente da exposição por razões
pessoais muito fortes).

HERBERTO HELDER


Transcrição [texto] >

Numa fábrica de papel registou-se um invulgar desastre no trabalho: um operário caiu num misturador e ficou literalmente transformado em pasta para papel.
Só se deu pelo acidente quando os filtros da pasta se entupiram. Nessa altura, já só restavam no misturador uma das mãos da vítima, uma rótula, uma madeixa de cabelos e tiras de pele. O corpo achava-se integrado nas folhas de papel que continuavam, entretanto, a sair das prensas.
(Dos jornais e para servir de epígrafe a um poema chamado «O Homem Que Se Fez Papel», que o Autor talvez um dia escreva).
[ver também Herberto Helder, Photomaton & Vox, «o humor em quotidiano negro» (p. 121)]


E. M. de Melo e Castro

Transcrição [lista de obras e textos de enquadramento] >

poemas-in-visíveis

A númeropoema
B sexopoema
C esqueletopoema
D geopoema
E fimdesemanapoema
F termopoema
G luminopoema
H fonopoema
I quasinfinitipoema
J rodopoema

se nada disto lhe diz nada então nada os poemas-in-visíveis são PARA ver in (dentro) PARA inver PARA não ver PARA agir dispõe o utente de interruptores para agirdicotómicamente sim-não em diversas combinações liga desliga etc. etc. pode utilizar os poemas conforme desejar rodas PARA movimentar peças PARA transformar em signos PARA construir poemas PARA ir-à-noite-PARA-a-cama-dormir-desassossegado PARA viajar PARA também ser oosso PARA ir PARA a praia PARA se aquecer PARA vir da praia PARA ouvir música tão bela notícias-sempre-últimas PARA estar tudo a aumentar PARA discutir eruditamente aos sábados PARA não me importar nada PARA fazer contas PARA iluminar fazer frio PARA recordar PARA apagar PARA ir quase até ao infinito PARA ficar triste PARA queimar a lareira PARA não ligar boia PARALELIPÍPEDO etc.

se a vanguarda é necessária na desmitificação das estratificações sociológicas anquilosadas (quaisquer que eles sejam) a poesia experimental é já maturidade do CAOS como rigor da invenção – vidé princípio da entropia: medida da desorganização de um sistema. o grau de entropia do universo está em constante aumento. o trabalho criador do artista experimental é precisamente criar estruturas atomizadas de grande entropia pois quanto maior for a entropia dessas estruturas maior será e mais vasta será a informação possível – baseada no cálculo das probabilidades. o utente do poema que se aperceba das informações que for capaz. por isso e para isso aqui se experimentam os objectos e as pessoas em actos vulgares muito simples deliberadamente fora do seu contexto organizado quotidiano – redescobrindo o cáos com as nossas mãos – experimentando.

Ver tb > Poemas-in-visíveis, de E. M. de Melo e Castro [in PO.EX: Textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, org. Ana Hatherly & E. M. de Melo e Castro, pp. 40-41].


Salette Tavares

Transcrição [lista de obras] >

1 Al gar ismo
Poema de amor
(alumínio anodizado)

2 Gal i cismo
(Colagem em laca)

3 Maquinim
(Arame anodizado)

4 Ourobesouro
Caixinha da minha infância
(Pelica e ouro)

5 Ourobesouro
A infância cresceu espaço
(Chapa de cristal e ouro)

6 Voz de peixe
(Olaria)

7 Sinais de trânsito
(Olaria)

8 Senhora do Ó
(Olaria)

9 Jarra ferida
(Olaria)

10 Antropofagia
(Metáfora em pau, gesso e papel)

11 e 12 Campa inha inha
(Cristal gravado)


Transcrição [poema] >

Partitura do Maquinim

Eu visto o que vesti ao manequim
sou poeta que mente o que se sente
e de só fico contente quando visto
aquilo que se ri atrás de mim.

Manequim do meu amor como te vejo
todo de cera e sedas emprestadas
em meu desejo sou eu que de manejo
em não, em flor
em tempestade e nadas

Salette Tavares


Salette Tavares

«Carta de Salette Tavares para Ana Hatherly» [9-01-1975] >

Outra actividade interessante do grupo de Poesia Experimental foi a Exposição na Divulgação. Criei vários objectos sendo os principais o MAQUININ e OUROBESOURO. OUROBESOURO, uma caixa de cristal com letras de ouro foi o meu primeiro poema experimental quando tinha 12 anos. Há quem se recorde, fi­lo no Colégio da Pena em Sintra. Partido, acabo de o refazer. O outro objecto, MAQUININ, era um mobile em arame anodizado, feito com letras enganchadas de maneira que se podia ler o poema, que publicara já, com o mesmo nome. Uma colaboração que demos para o Jornal do Fundão, escrevi esse poema destruindo as palavras na ligação das sílabas, conforme as várias maneiras rítmicas como o digo. Quanto ao MAQUININ mobile saiu mais pobre da exposição pois houve também o peso da gravidade da recordação Kitch que fez com que algumas letras fossem desenganchadas nas algibeiras dos amantes da poesia, talvez só assim. Ainda não tive ocasião de o restaurar. Exposto alto, bem alto, no Instituto Alemão, não tinha o ar giro do objecto que se toca e até se lê.


Reproduções da Exposição Visopoemas, seguidas de Nota sobre exposição, publicadas no SUPLEMENTO ESPECIAL DO «JORNAL DO FUNDÃO», POESIA EXPERIMENTAL (24 Janeiro 1965)

Transcrição >

Realizou-se com princípio no dia 2 de Janeiro deste ano, na Galeria Divulgação, em Lisboa, a anunciada exposição de VISOPOEMAS. Expuseram E. M. de Melo e Castro, Salette Tavares, Herberto Helder, António Aragão e António Barahona da Fonseca. Tratava-se de poemas para ver: poemas visivos ou pintura-poemas. Sendo poemas, viveram como objectos plásticos sobretudo devido à sua matéria e polarização. Conquanto objectos plásticos, mergulharam no campo da poesia rompendo com a fronteira que extrema estas duas posições. E. M. de Melo e Castro além do «quaseinfinitopoema» expôs uma série de «poemas-in-visíveis»; Herberto Helder apresentou poemas-colagens; Salette Tavares, além das olarias, expôs objectos em cristal, alumínio, pelica e colagem; António Barahona da Fonseca realizou gráfico-poemas; António Aragão apresentou poemas encontrados, visoluminescências e poemas (des)integrados.