Recensão de Electrografias e Os bancos, de António Aragão, por Enzo Minarelli. [Ligação. Tradução]
“L’opera di António Aragão sorprende sempre perché ha un rigore verbo-visivo che la proietta in un territorio universale che sicuramente la farà r/esistere a lungo.” …
Ler texto original completo (italiano) @ https://www.enzominarelli.com/blog-02/
O malabarista da palavra
Enzo Minarelli
A obra de António Aragão sempre surpreende, pois possui um rigor verbo-visual que a projeta num território universal que certamente a fará resistir/existir por um longo tempo. Refiro-me às Electrografias, criadas nos anos 80, que apareceram em 1990 e foram republicadas há dois anos, imagino que para comemorar o décimo aniversário de seu desaparecimento em 2008. Ele usa imagens fortes tiradas dos média, como por exemplo a polícia a espancar manifestantes, uma multidão com os punhos cerrados, uma mãe a segurar o filho pela mão, imagens que, pela técnica da fotocópia, ele altera, deformando ou desfocando-as. Esta obra é apresentada a preto e branco ou, às vezes, como em algumas cópias que tenho no meu arquivo, a cores. Pouca concessão é dada à beleza estética, porque a força destas pranchas reside na escolha linguística que direciona a mensagem. E para comunicar o que ele tem em mente, ele não desiste do jogo de palavras como em “to do business to dos” ou o nonsense “com putador! com puta dor!” Considerando a forte repetição icónica, a sua pesquisa é desequilibrada do lado da língua e, portanto, pode-se dizer que não é a sua poesia uma poesia visiva nem sequer uma poesia visual, tanto quanto uma poesia narrativa. Para desenvolver críticas à sociedade, para libertar o sarcasmo contra o capitalismo, é quase obrigatório alavancar a palavra. Emblemática é a mesa que mostra dois cavalheiros que largam as calças para defecar, com as palavras “cri cri cri cria dor”.
A sua atração pela linguagem é mais uma vez destacada por uma obra como Os bancos antes da nacionalização, composta durante a ditadura, mas publicada em 1975, no meu arquivo tenho uma cópia dessa data, e agora também voltou a ser impressa. Enquanto que nas Eletrografias ainda era a escrita manual que a dominava, aqui a estrutura geral é mais concreta no sentido da poesia paulista, o que lhe permite aplicar um turbilhão de técnicas experimentais para modificar a própria palavra, vivida como uma extrema contradição, como um assunto a ser adorado, mas ao mesmo tempo a ser superado por perfurá-lo. O tema do banco é tratado ou maltratado em todos os formulários possíveis e praticáveis, que são os consolidados nas neovanguardas. Então, mais uma vez, ele revela toda a sua sensibilidade em relação à palavra que ocupa um lugar principal, pelo menos nesta tipologia de experimentação. O jogo lexical em “Basta (ASS) ASSINAR” é formidável, onde o termo assassino se sobrepõe ao termo assinatura.
O facto de a sua abordagem ser literária também pode ser vista no trabalho sonoro Povo/ovo 1978-90, publicado na edição 22 de Baobab, 1992, Voci ispano-portoghesi editadas por mim e incluídas no número um de GroundSound, a nova revista de poesia sonora. A palavra sustenta o impacto perturbador, apesar de ter sido submetida a vários tratamentos pelos quais vacila como era a prática estabelecida na época, começando com o jogo intraverbal do próprio título.
O António, tive a sorte de o conhecer e bem, no verão de 1990, na Cidade do México, durante um dos muitos festivais de poesia organizados por César Espinosa e Aracoeli Zuñiga. Com o seu boné preto leninista, era um perfeito filósofo da palavra emprestada ao mundo do experimentalismo. O seu forte compromisso político levou-o a fundar a Vala Comum, um arquivo onde ele podia recolher toda a gama de obras alternativas, mas também um refúgio para realizar os projetos que a instituição respeitável e conservadora se recusava a realizar. Ele entrou por mérito próprio no circuito que se chamava Arte Correo para difundir produtos não convencionais. A Mail Art antecipou, de certa forma, a Internet atual, mesmo que fosse mais projetada para o lado artístico, consulte este Manifesto da Mail Art de 1982.
António era natural da Madeira, a sua ilha poética transformada num continente lotado e praticado porque ao casal verbo-visual acrescentou o terceiro elemento essencial, o vocal, e, portanto, tem todas as credenciais para reviver e ser lembrado para sempre.

Tradução de Rui Torres
Ler tb >
- Nova edição de “Os bancos” de António Aragão (Tigre de Papel, 2019)
- Nova edição de “Electrografias” de António Aragão (Busílis, 2019)
- GROUNDSOUND 1, the voice as a work of art (Vittorio Veneto, Second Sleep, 2019)