«O motor textual: livro infinito» de Pedro Barbosa [Recensão crítica]

Texto de Daniela Côrtes Maduro acerca das obras criadas por Pedro Barbosa com o Sintext. [Texto. Ligações]


[Este texto foi também publicado em inglês no Electronic Literature Directory, parceiro institucional do Po-ex.net – http://directory.eliterature.org/node/3903]


Foi durante o seu trabalho com o Laboratório de Cálculo Automático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (LACA), em 1976, que Pedro Barbosa começou a usar o computador como ferramenta criativa. Barbosa tem vindo a ser considerado, em Portugal, um precursor de literatura gerada por computador. O motor textual: livro infinito (2001) é um exemplo significativo da pesquisa levada a cabo por Barbosa desde os anos setenta. Neste trabalho, ele usa o programa Sintext que, de acordo com Pedro Barbosa, permite a geração de qualquer tipo de texto, complexo ou não (Barbosa, 2001).

A criação do Sintext começou em 1993. Originalmente lançado em disquete, este programa podia funcionar no modo batch, usando dados armazenados como input, ou no modo interactivo permitindo ao leitor inserir palavras para gerar um novo texto (Barbosa, 1996b: 45). Uma versão web do Sintext foi desenvolvida pelo CETIC (Centro de Estudos de Texto Informático e Ciberliteratura) fundado por Pedro Barbosa em 1999, na Universidade Fernando Pessoa. Segundo Barbosa, a versão web do Sintext (Sintext-W), que substitui linguagem de programação C++ pela linguagem Java, permitiria ao escrileitor (Barbosa, 1996a:11) aceder facilmente ao Sintext e gerar uma composição a partir de um texto matriz (Barbosa, 1999) ou a partir de uma base lexical (Barbosa, 2003: 20).

Sintext, ou um “sorteador recursivo de elementos de texto” (Barbosa, 1996b: 49), é baseado na intersecção entre dois eixos da linguagem: o eixo paradigmático e o eixo sintagmático, tal como sugerido por Roland Barthes (e antes dele, por Ferdinand de Saussure e Roman Jakobson) em Elements de sémiologie (1965). O eixo paradigmático refere-se a elementos lexicais (ou segundo Barbosa, “Variantes”) que podem ser substituídos, a todo o momento, ao longo do eixo sintagmático. Este eixo representa a “sequência parentetizada” ou um conjunto de “Constantes” (Barbosa, 2001) que assegura a continuidade (idem.) ou a geração do texto. As obras criadas pelo Sintext são intituladas “textos generativos” e são parte da “literatura algorítmica” (idem.), Ciberliteratura, Literatura Gerada por Computador (LGC) ou Infoliteratura (Barbosa, 2003). As suas obras partilham características com a littérature potentielle do grupo OULIPO, nomeadamente a exploração da aleatoriedade, o uso de técnicas de escrita dominadas por constrangimentos formais, e a criação de processos combinatórios que produzem resultados inesperados. O texto, ou o “texto virtual” produzido pelo Sintext, é definido como um “motor de uma pluralidade de realizações textuais por materializar signicamente” (Barbosa, 1996a: 14). Por sua vez, o computador torna-se num “telescópio de complexidade” (Barbosa, 1996a: 10) responsável por expandir o texto e o espectro de significado.

O motor textual: livro infinito foi lançado em CD-ROM. Esta obra é constituída por um manual de instruções e três textos pré-instalados. Estes funcionam como portais de acesso ou pontos de partida para as inúmeras variantes geradas pelo Sintext: “Teoria do Homem Sentado”, “Balada de Portugal” e “Didática”. Em uma das variações geradas durante a leitura de “Teoria do Homem Sentado”, publicado em 1996, Barbosa (ou o “motor textual”) poderá dirigir-se ao leitor frente ao ecrã: “Odiado Amigo, você é um esdrúxulo ser vivo permanentemente sentado em frente de um monitor. Os jornais espalham-se no chão, as persianas estão corridas sobre o mundo, nuvens de electrões volteiam-lhe à roda da cabeça. A poltrona adormece-lhe o traseiro. Retrato acabado do homem pós-moderno que assiste sentado à grande festa do nada: sempre envolto numa poalha de palavras e de imagens” (Barbosa, 2001). Nas obras de Pedro Barbosa o computador é usado como uma máquina semiótica (Barbosa, 2003: 5) que simula o funcionamento combinatório da linguagem. Os três textos incluídos neste trabalho formam uma série textual que, em princípio, pode ser reproduzida até ao infinito.


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Referências >

BARBOSA, Pedro (1996a). “Ângulos e virtualidades do Texto Virtual”, in Teoria do Homem Sentado. Porto: Edições Afrontamento. Also available at: https://po-ex.net/taxonomia/transtextualidades/metatextualidades-alografas/pedro-barbosa-literatura-teoria-homem-sentado-parte1

BARBOSA, Pedro (1996b). Manual do Sintext, in https://www.po-ex.net/images/stories/pedrobarbosa/ths/pb_livroteoriadohomemsentado_manualsintext.pdf

BARBOSA, Pedro (2001). O Motor Textual. Livro Infinito, in https://www.po-ex.net/taxonomia/transtextualidades/metatextualidades-autografas/pedro-barbosa-o-motor-textual-livro-infinito

BARBOSA, Pedro (2003). “O Computador como Máquina Semiótica”, in [dead link]