Texto de António Barros sobre a sua exposição COISAS_REAIS, Guimarães. [Texto. Ligação]
[Reinventar a Palavra para além da terceira natureza, ou as COISAS REAIS no CAAA. Texto de António Barros sobre COISAS_REAIS, Exposição de António Barros no CAAA, Guimarães, 6-12-2014 a 11-01-2015]
“A verdadeira utilidade da faculdade imaginativa dos tempos modernos é dar vida aos factos, à ciência e às vidas vulgares, dotando-as com o brilho, as glórias e o derradeiro carácter ilustre que é próprio de cada coisa real, e somente das coisas reais. Sem essa essencial vivificação – que só o poeta e outros artistas podem dar – a realidade pareceria incompleta e finalmente a ciência, a democracia e a própria vida pareceriam vãs.” Walt Whitman
McKenzie Wark proporciona-nos nas suas reflexões três tipos de natureza. Ou seja: além da natureza, ela própria, temos uma segunda natureza, esta ditada pelo “contexto humano e pelo processo produtivo”. No entanto estamos hoje, e cada vez mais, condenados por uma realidade particular a que Wark define por terceira natureza, e é esta que resulta numa realidade nova e profundamente inquietante como obstrutiva do livre pensamento gerador.
Na sociedade que agora severamente nos enquadra surgimos vivendo como se estivessemos numa outra era, “uma nova era em que a informação passou a estar um passo à frente do movimento das pessoas e das coisas, acabando por dominar e coordenar os seus movimentos”.
Tendo a sociedade uma ferramenta poderosa como é o processo de informar – inFormando o outro -, ela, contudo, autofagicamente anula-se como comunidade livre, pois são hoje os processos de informação quem tomou a liderança e o comando das coisas, determinando os acontecimentos do homem e as suas próprias atitudes sempre sujeitas e asfixiadamente subordinadas à convulsa inFormação.
A ditadura desta informação condutora resulta como um incentivo a que cada um se demita de questionar, e mesmo ao autoscopicamente questionar-se, pois, (in)comodamente, esta terceira natureza passou a ser norteadora da dominante das vontades e dos quereres. Sem ser premonitória, resulta ainda numa plataforma geradora de uma arquitectura da vontade. Desenhando o próprio sentido de vida – de uma vida que dispensa sentido.
Esta formulação esmagadora do comportamento converge numa moldura impositora de pensamento condicionado. Mas também, do direito ao divórcio de vontades nobres, de valores, onde cada elemento da sociedade pode agora, impunemente, demitir-se de ser portador de vontades próprias. Outras.
Assim, resolvendo-se neste comportamento autofágico do Ser de Sentido próprio, ele exalta-se modulado pela pautização que o Poder estruturado bem pretende fazer dele, pois esse próprio Poder sabe que está perante um Ser inerte, convulsivamente refém da informação – inFormação. Da natureza da informação. E de uma informação – sinóptica – como natureza forma_dora. Mas, agora, também perante um restante Ser novo. Sintético. Ser por ela gerado e que resulta naquele que é um Ser meramente simbólico. Ser latente numa redutora incubação de condição fatal. Pois é consequente e distintivo de uma gregária insularidade do Ser – patogenia da, e na, terceira natureza.
É nas paisagens de letargia geradas na terceira natureza que a observação inquietada procura colher desenhos de comportamento questionáveis, e que o objecto artístico, aqui construído, dispara os seus desígnios de desafio e convite a uma urgência de reprogramação da Palavra. Da Palavra “coisa”. Do comportamento na leitura da Palavra compro_metida, e da Palavra Comportamento. Tudo na gestação de novos sentidos. Numa resposta à Palavra refém da tubular informação (em constante devir). Mas agora obrigando-se a um dizer fora da natureza sinalizada. Fora da terceira natureza. Numa natureza outra. Para além do interior. Poiética. Onde (só) as “coisas reais” residam.