Texto de Bruna Valter sobre a intensa actividade curatorial de António Barros, nos últimos quarenta anos, no âmbito da PO.EX, e sobre o seu silenciamento. [Texto. Ligações]
Falta fazer justiça, essa que venha a formular um reconhecimento público ao singular desempenho de António Barros (e para além do expresso no domínio autoral enquanto referência da, e na, PO.EX.). Entenda-se: falta sublinhar a sua acção na difusão. O ter dado luz visível a um rosto colectivizante (por vezes colegial) e mesmo vigor na activação de uma lícita revitalização em torno da leitura livre, e pública, da Poesia Experimental Portuguesa no arco temporal 1976-2014 na cidade de Coimbra como, e não menos, no mundo a partir de Coimbra.
Toda a sua actividade curatorial nos últimos quarenta anos – gerada para dar uma sólida face à PO.EX – foi surpreendentemente silenciada (até no recente ciclo Nas Escritas PO.EX) por razões difíceis de encontrar uma fundamentação capaz.
António Barros disponibilizou o seu mais vital tempo pessoal que tinha reservado para a criação, e autoral, para o disponibilizar (de modo poeticamente situacionista) para uma difusão dos domínios das artes e da poesia experimental portuguesa. Para o fazer partilhar – ou mesmo revelar numa escala maior -, toda uma produção então presente construída numa comunidade de cerca de 12 autores da PO.EX (Alberto Pimenta, Ana Hatherly, António Aragão, António Barros, António Campos Rosado, António Dantas, Ernesto Melo e Castro, Fernando Aguiar, Manuel Portela, Maria Laranjeira, Salette Tavares, Silvestre Pestana). Tudo numa constelação de 15 plataformas curatorialmente pluridisciplinares, e onde António Barros assumiu directorias diversas (Galeria CAPC – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra; Museu da Água de Coimbra; Teatro Académico de Gil Vicente – Universidade de Coimbra; Teatro Estúdio CITAC-Academia de Coimbra, em programas inéditos como “Alquimias, dos Pensamentos das Artes”, “Califa, Tempo de Cultura”; na rádio da Universidade de Coimbra, RUC, em “Círculo Branco num Quadrado Negro”, e no domínio televisual como surgiu na “UCV-Televisão web da Universidade de Coimbra” e na “ESEC-TV” na RTP2, ou em revistas como: Via Latina; Fenda, Música em Si e Rua Larga, publicações de Coimbra; Sema; Arte Opinião e Triplov, de Lisboa. Mas também em suportes menos convencionais como sucedeu na linha editorial da IUC, Imprensa da Universidade de Coimbra, revelando aí 12 obras inéditas de autores como Ernesto Melo e Castro, António Dantas, Silvestre Pestana e o próprio António Barros).
Num resgate fácil de encontrar é possível diagnosticar, sem esforço, um trabalho constante de António Barros que resultou no agenciamento da mostra pública de cerca de 200 obras dos enunciados autores da PO.EX distribuídas por cerca de 50 iniciativas e eventos cujo curador foi António Barros.
Então a que se deve todo esse silenciamento? (talvez com excepção de algumas referências enunciadas pelos textos de António Preto).
O porquê dessa atitude mereceria um estudo aturado, como também mereceria entender a razão da não publicação, ainda hoje, do projecto que António Barros e João Fernandes concluiram para edição em livro do que foi, no Museu Serralves, a PO.EX em 1999.
Mas o que aqui se infere, é convidar o próprio leitor a formular a sua própria procura levando-o a uma pesquisa contributiva que pode resultar numa experiência única, percebendo que há, e sempre houve, mais vida em PO.EX para além do enunciado em “Poemografias”, por muito louvável e aprazível que seja, ou tenha sido, esse programa. Ficar por aí na referenciação é redutor. E resultará num não fazer justiça a um trabalho de décadas gerado em Coimbra.
Vale uma cuidada leitura ainda a que surgir em livros como: “Esta danada caixa preta só a murro é que funciona“, com o ensaio: “Projectos & Progestos”, edição da IUC-Imprensa da Universidade de Coimbra, ou mesmo “John Cage, Música Fluxus…” também de António Barros, edição Alma Azul, ambas editoras de Coimbra, como mesmo diversas das publicações editadas pelo CAPC, mormente a que enuncia o Ciclo “Poesia Visual Portuguesa”, iniciativa do Círculo de Artes Plásticas em 1979-80, com direcção de António Barros e Alberto Carneiro, assim como o empenho de Osvaldo Silvestre na publicação da Antologia da Poesia Experimental Portuguesa (anos 60-anos 80) de Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro, numa edição da Angelus Novus. Ou mesmo a actividade expositiva de Manuel Portela quando inscreveu a directoria do Teatro Académico de Gil Vicente, também em Coimbra.
Se para Jorge Lima Barreto, como chegou a referir também no Jornal de Letras, Artes e Ideias de Lisboa, Coimbra nos anos 80 “era a Capital da Arte Performance em Portugal”, em muita dessa performatividade estruturante esteve a Poesia Experimental Portuguesa. Também por isso será legítimo dizer que Coimbra chegou mesmo a ser, a seu tempo, cidade Capital da PO.EX em Portugal.
Então porque foi, e continua a ser, Coimbra neste domínio silenciada? Fica a pergunta talvez sem resposta. Ou talvez num ‘não dizer’. Tudo porque faz um restar-se na letargia de um não querer ouvir, tudo como enuncia António Barros no seu obgesto “Silêncio”, com dois cigarros enfiados nos ouvidos – esse vício “(es)fumaDor” a dizer que mais surdo que o surdo, é quem não quer ouvir.
Esta consciência presente nesta abordagem sumária, não só ajuda a perceber melhor a resiliente obra de António Barros, como torna mais intelegível ainda as suas sinergisantes interpretações do texto PO.EX que começa em obra física em 1999 no Museu Serralves, e culmina no forçado gesto emigratório “(d)enunciado” em “EX_Patriar” (peça agora na colecção do Museu Bienal de Cerveira).
A cultura fluxista, de quem António Barros sempre assumiu as suas plurais contaminações, convoca o artista para uma função interventiva na sociedade como criador. Operador. Como um educador também. Como alguém que alerta e dignostica patologias no sentido de sensibilizar para caminhos alternativos de dignidade humana. Terapeutizadores. Para que numa condição de Arte/Vida, o Ser, venha a ser melhor, num mundo melhor. Esta arte de identidade sociológica encontra na acção difusora e “contaminante” de António Barros, um digno exemplo que merece uma peculiar atenção. Que não deve ser silenciada, mas antes aturadamente estudada e divulgada.
Ler tb >
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- Preto+Branco=Encontro. Apontamentos sobre o trabalho de António Barros, por António Preto
- O “POVO NOVO” de Novo, ou o Devir da FÉNIX, por António Barros