Texto de António Barros sobre ‘Razão’, Objecto_Livro. [Texto. Ligação]
Gramsci dizia que era pessimista pela razão e otimista pela fé. Na verdade, existem várias camadas mais ou menos profundas de otimismo e de pessimismo, do pessimismo absoluto que leva ao suicídio até àquela camada fundamental de otimismo que nos faz viver.
Viver é, neste sentido, ser otimista.
Depois, pode-se ser pessimista ou otimista relativamente a isto ou aquilo, ou mesmo ser os dois por razões diferentes: por exemplo, ser pessimista “de razão” quanto ao futuro próximo do país e otimista por pura fé na vida. O que pode acontecer é que esta última seja fetichizada e confundida com o otimismo relativo – a “sem razão” do puro otimismo de viver transformar-se-ia em razão para acreditar nesta ou naquela ideia que tanto se quer ver concretizada no futuro. Infelizmente, este fetichismo da atitude pode contribuir para a demagogia política. É, talvez, num misto complexo de pessimismo e otimismo (essencial, e fetichizado), que nós vivemos hoje, portugueses desesperados da esperança. (José Gil, 2014).
A leitura desta inquietação de José Gil, que cruzei nos acasos do meu quotidiano, faz-me regressar ao meu mundo de escrita quando convoca a razão. Obgestual. E me faz resgatar o que esse mundo, magro, dialoga de forma empática com a nevralgia de Gil.
Esta dimensão de fé é a única fé possível. Urgente e obrigatória. Hoje. E faz-me regressar a uma condição, tão própria, tão razante com as, tão minhas, nevralgias que se mostravam convulsivas já na moldura dos anos setenta.
O “Muro da Razão”, legendado por Telmo Verdelho em 1980, em Coimbra, ao olhar os meus obgestos “Razão” (esse objecto-livro onde as páginas são almofadas fabricadas na pobreza dos jornais diários a inscrever o corpo das peças), resulta numa prolixa pautização dos comportamentos a seu tempo. Mas hoje, tudo regressa e recidiva de modo tão mais doloroso e desconcertante. E tudo porque há um homicídio, ‘involuntário’, à esperança. Há uma pálida condição de fé. Mas uma outra, onde não cabe soletrar esse catequizante palavrar da fé de formato judaico-cristão. Mas uma fé comportamental. Respiratória. Fisiológica. Performativa mesmo. Uma fé de razão. Sem oração. Pura razão de existir. Como transparência de uma moldura vestida e condição. Uma vaga autoscopia do ser, sendo ainda.
“Razão”, o objecto-poema (instalação mutável e mutante), é um objecto valvulante. Vulvável. Iconograficamente ridículo e sedentário. Todo um rosto assumidamente ‘ridículo’, no gregário de preguiças múltipas que ilustram uma razão do ‘lugar nacional’, sempre portador da condição do “quase”.
Num país de distintiva marca do “quase”. Esse ‘chapéu’ de lucidez de Mário de Sá-Carneiro – “marca nominal” deste país (tão) desa(r)mado numa aura de lástima. Letárgica. Afogada no sono de Ser. E na náusea. Razão vazia de si. “Razão”_objecto de si. Obgestualizante. Em vazio e forma. No vago ser. E estar. Um adormecido fazer-se estar. Paulatinamente. Sem válvulas. Sem válido estar. E querer. Pobre ‘razão de si’. Todo um optimismo de fé, e de dúVida. Essa que convoca um dos meus primeiros textos imagéticos. Esse abraçado no camarim do suicídio como gelo de um visionarismo precoce. [“Viver/Não Viver”, 1976, in revista Loreto 13, #78, Lisboa, 1978].
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