O código-fonte de um espectáculo

Texto de Stephan Jürgens sobre as múltiplas linguagens envolvidas na performance ‘.txt’, entre as quais o código-fonte, aqui visto como “texto performativo”. [Texto]


É no caderno do coreógrafo que se materializa a pouco visível, mas estreita relação da dança com a escrita, e de uma escrita pessoal e idiossincrática com a dança. Hoje encontramos frequentemente programadores em equipas de artistas que utilizam as novas tecnologias digitais para a realização dos seus projectos. E o que é interessante, é que o fazem trabalhando com um dos mais antigos media, a ESCRITA. O source code, ou código-fonte, produz aquilo que vemos, ouvimos, sentimos. O computador é em essência um medium de escrita capaz de gerar superfícies ou software multimédia, e interfaces para a respectiva hardware.

O código-fonte e as suas qualidades gerativas podem assim ser comparados a outros “textos performativos” como uma partitura musical, um guião fílmico ou a notação de uma dança: em todos os casos, um conjunto de instruções específicas permite gerar os media e conteúdos.

Coincidência feliz, o excêntrico texto “The Electronic Revolution” de William S. Burroughs de 1970 tratava de questões semelhantes e abriu-nos interessantes perspectivas dramatúrgicas.

A obra .txt é “escrita” em várias linguagens num processo colaborativo. Cada artista envolvido gera o seu “texto” no medium adequado: o programador escreve código-fonte; o coreógrafo desenvolve um vocabulário e sequências de movimento junto com o bailarino; o músico concebe o material sonoro e estratégias de interacção; e um storyboard específicamente desenvolvido para o efeito contém os elementos visuais, tais como o design de luzes, materiais cénicos, superfícies e técnicas de projecção de vídeo.

Este texto híbrido pode ser considerada um “texto vivo” que é compilado somente em situações de ensaio e espectáculo, e só nestes momentos pode ser lido.

Numa das primeiras cenas da peça o bailarino é “perseguido” por um bando de palavras por todo o palco. Após diferentes e ousadas coreografias de fuga ele desiste. As palavras invadem a figura projectada do bailarino como se fossem um vírus até que o corpo do bailarino é transformado inteiramente em texto.

Outra cena mostra o bailarino rodeado por nuvens de palavras que ele pode separar e juntar por meio dos seus gestos precisos, de modo que novas constelações e significados emergem no espaço.

Em oposição a William S. Burroughs o público do .txt não é incentivado de revolucionar as estruturas de poder por meio de manipulação subversiva dos media electrónicos que nos rodeiam.

Antes pelo contrário tematizamos diversas formas de relacionamento entre o nosso comportamento e seu impacto no nosso meio-ambiente mais imediato. A extensão de ficheiro .txt pode assim ser entendido como alusão a tudo aquilo que ainda não foi escrito, ao que está para descobrir e realizar, dentro de nós e no nosso meio-ambiente.


Ligação para texto original > http://txtwork.wordpress.com/textos/


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