RIVER – Leitura

Texto de António Barros sobre a sua peça vídeo com Augusta Vilalobos. [Texto. Ligação]


“River” é uma peça guestáltica. Parte do que Cage convoca em 4′ 33″ – uma busca de, em silêncio, colher o som ambiente e o envolvente de si.

António Barros procurou com Augusta Vilalobos – e para responder ao desafio de criar uma peça em homenagem a Jorge Lima Barreto para apresentar no MusicBox, Lisboa – colher o registo de um barco de navegação rural no Mondego, e que estava a afundar-se no rio.

A sua negritude dialogava com a luz crepuscular. E esse contraste esgrimia literatura. Quando  aí surge o registo, o barco já tinha mergulhado para além da visão, dando lugar a aves soletrantes de uma total ausência de palavras. O som que traz o ambiente é o convulsivo da sirene de uma ambulância tão igual à que colheu, já terminal, o Jorge do seu canto, quando o desencanto o levou a ficar pelo leito para morrer. De fome.

A leitura em “River” é convulsiva como toda a agonia. O som do lugar denuncia a utopia do silêncio ancorada ao querer de Cage. Os remadores, ao fundo, fogem para lugar nenhum. Todo um retrato do tempo num país amargurado pela queda. Esse que deixa morrer de fome os seus melhores autores.

Esta oração enunciada ao Jorge fez viver, a seu tempo, uma serenidade transportada para o lugar como que ele estivesse ali, perto de nós, colhendo a queda do sol. Oferecendo o negro da noite para um silêncio outro. A devolução. E o tributo. Todo um legado frio. A rever o “Silêncio”. E o que ele enuncia.

Agora. Que a sirene fechou. Já não há alarme depois do regado das águas do rio. Depois de “River”.


V(l)er tb >