Sempre em Círculo

Texto de António Barros sobre “Asa Morta”, objecto perecível criado para o Ciclo “Nas Escritas PO.EX”, Casa da Escrita, Coimbra, 2012-13. [Texto. Ligação]


[ Asa Morta ]


Operação artística criada no âmbito de “Progestos_Obgestos”, inscrevendo o espaço ‘Refeitório’, parte integrante da “Residência”, em modo “Lugar_Livro”. ‘Instalação’, habitada por 14 negros bustos, geminados, em betão, invertendo o prumo, ancorados na superfície das mesas onde, em cada um, o caule segura uma colher colhida do uso na urbe, transportando pigmento de óxido de ferro. Sobre a toalha branca da mesa. A porcelana do prato alimenta o vulto com igual óxido.

A constelação de rostos neste cenário gregário é conduzida por um outro Sísifo que arbitra, em olhos de fogo cansado a partir do veludo negro da mesa da vigília. “Ele é quem observa tudo”.

Obra inédita para o Ciclo: “Nas Escritas PO.EX”, Casa da Escrita, Coimbra, 2012-13.

“Asa Morta” é um objecto, perecível, partilhável com a “Residência” e as potenciais visitações vivenciáveis. Sofre mutações constantes e resoluções diversas – sujeitos de registo e potenciais ‘remediações’. Tem muito de efémero, mas galvanizador de novas e outras artitudes.

Aqui, o zelo na formulação do texto (objecto-texto) pretensamente poético, apela a uma consciência de um conceito de poema como ‘diagrama aberto’ (seja: “tarefa aberta”). Toda uma realidade que ao inscrever na sua condição noções de pluralidade, interrelação e reciprocidade de códigos, não só garante a viabilidade da poesia (numa sociedade refém de constantes mutações tecnológicas), como lhe confere ainda uma posição privilegiada; ou seja: a de fazer gerar, como visionou Schlegel, uma ‘poesia universal progressiva’, conduzindo-nos aí, de novo, para uma “poiesis” fundamental. Para uma reinvenção do sentido da criação.

É nesta “progestualidade” constante que a obra se conjuga e revigora enquanto palavra genomática do objecto; enquanto objecto palavrante – convulsivamente se “obgestualizando”.

Com este norte, “a atitude artística [entenda-se aqui ‘artitude’], distingue-se da atitude prática do desejo, no sentido em que a arte deixa subsistir o seu objecto em liberdade total, enquanto o desejo emprega o seu objecto para o seu próprio uso, destruindo-o” (Hegel). Assim, este distanciamento da “atitude prática do desejo”, assumidamente hegeliana, convoca uma “artoralidade” consequente, pois é razão do “artor” libertar o objecto da sua condição prática formulando a sua emancipação; disponibilizando-o para desejos outros; plurais; revigorando-o; transfigurando-o. Arte como transfiguração.

Chegado ao lugar da Arte, o objecto diz-se no ser e no seu contrário. Pode contradizer-se. Diz e ContraDiz o ser do Ser.

Depois das férteis ‘oratórias’ de Novalis, sabemos ainda que o homem é o único ser vivo capaz de se contradizer. E, com essa natureza ganha, “há que fazer da arte uma nova natureza”; “obgestualizando”. Criando para o Ser “obgestos” para além da sua própria circunstância. “Humanizando a circunstância” (Marx); “progestualizando” o poema ‘aberto’. No seu devir. Na sua mutabilidade progressiva, constante e consequente. Na razão da sua genomática performatividade. Artoralidade de sentido fundamental.


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