Do início, do(s) meio(s) e do fim em Silvestre Pestana [Entrevista concedida a Manaíra Athayde]

Texto de Manaíra Athayde sobre a exposição ‘POVO NOVO VIRTUAL’, de Silvestre Pestana, a partir de entrevista. [Texto. Imagens. Sons]


Este texto foi originalmente publicado no blog do programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura da Universidade de Coimbra em 22-03-2013. À autora, os nossos agradecimentos pela autorização de reprodução.


«Povo Novo Virtual», de 08 de fevereiro a 01 de março na Casa da Escrita, em Coimbra, é a exposição do Ciclo Nas Escritas PO.EX que comemora os 45 anos de carreira de Silvestre Pestana, nome de vigor da poesia experimental portuguesa.

Aproveitamos a ocasião para conversar com o artista madeirense e fazer uma retrospetiva de sua obra e de sua história, marcadas por uma pujante posição ideológica e ativismo social. Dono de uma selvagem delicadeza ou, se quisermos, de uma rebeldia “artistizada”, viveu em vários países, dentre eles Suécia e Inglaterra, e realizou trabalhos que estão entre os mais representativos do pós 25 de Abril.

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Em destaque, a fotografia que regista a performance de «Povo Novo» (1979), obra de relevo dos anos 70.

Silvestre Pestana se move das artes abstratas às poéticas da performatividade, da tradição radicalizada no concretismo brasileiro ao grafismo pós-revolucionário russo dos anos 20… «Tudo para fazer versões de como um povo se expressa nas suas singularidades», explica o artista da «poética sociológica», inscrita ao longo de toda a sua trajetória, do poema-processo ao poema-avatar.

É esse percurso, pois, que vamos atravessar. O caminho é longo, mas o vigor de Silvestre Pestana, e toda a paixão e compromisso que tem para com tudo o que fez e continua a fazer, instiga a refletirmos sobre esse «novo povo novo», que existe a cada geração e que nos fala sobre as gerações e os seus meios de inscrição. Uma boa oportunidade, enfim, para pensar a crise dos tempos, ou os tempos de crise.

* As fotografias das obras que integram esta entrevista foram realizadas na exposição «Povo Novo Virtual», na Casa da Escrita.

** As respostas completas estão em ÁUDIO. As frases entre «» representam apenas excerto de cada resposta.

Do início

Você nasceu no Funchal e em fins dos anos 60 foi para o Porto estudar Belas Artes. Que relevo criou essa mudança em sua produção artística?

ÁUDIO 1_«Quando eu chego ao Porto eu tenho uma formação que os meus professores não tinham… A escola de Lisboa era a escola dos ornamentos culturalistas do salazarismo e do colonialismo português, enquanto a escola do Porto refugiou-se numa espécie de não-lugar, sem compromisso com o regime mas também sem criar identidade»

E essas «economias culturais» motivavam cisões regionais em Portugal (como até hoje se discute), a partir do fomento de instituições concentradas num determinado eixo?

ÁUDIO 2_«O espaço neutro que encontramos entre Porto e Lisboa foi Coimbra»

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Silvestre Pestana e uma das principais antologias sobre a poesia visual portuguesa, «Poemografias» (1985), que organizou com Fernando Aguiar.

É possível dizer que, a dada altura de seu percurso, a crítica institucional virou as costas para si e que você também prosseguiu de costas viradas para ela? Além disso, houve um ensimesmamento das instituições?

ÁUDIO 3_«Os artistas que vincaram e que têm vincado são os que têm compromisso muito forte com lobbies políticos a lhes manter permanentemente o cartaz»

A questão, assim, não são apenas os artistas independentes «de que ninguém quer saber»… A ver a situação dos centros culturais…

ÁUDIO 4_«Em Portugal, e por isso estamos em crise, as discussões da cultura foram transformadas em empreiteiros, engenheiros, arquitetos e centros culturais vazios»

Da arte experimental: social por quê?

Por que defende que a arte experimental tem que ter compromissos sociais?

ÁUDIO 5_«Não há na poesia experimental os exercícios experimentalistas de gabinete»

E o que é, então, a «poética experimental sociológica»?

ÁUDIO 6_«É uma poética que não está escondida atrás da secretária do laboratório da universidade»

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«Griiiito» (1980), obra apresentada por Silvestre Pestana na Exposição PO.EX, organizada por Ernesto Melo e Castro na Galeria Nacional de Arte Moderna em Belém, entre abril e maio de 1980.

Mas esse «experimentalismo de laboratório de universidade» não acaba por corresponder de uma maneira relevante às necessidade e possibilidades de criação de hoje?

ÁUDIO 7_«Experimentalismo não é alguém num gabinete que diz: “eu estou agora a pensar fazer uma obra para essa tecnologia ou para aquela e, meus senhores, eu até fui o primeiro”»

Essa «apropriação» da PO.EX a que se refere também não se trata de uma continuidade do vosso trabalho?

ÁUDIO 8_«Não basta dizer que se utiliza um meio ou um vídeo ou um digital para ser PO.EX e esta é a questão cerneira da necessidade de termos feito na Casa da Escrita um reencontro de trajetórias»

A PO.EX, então, nessa perspetiva que apresenta, caiu num modismo, é isto?

ÁUDIO 9_«Houve uma pressa de se encaixar na onda»

No entanto, essa geração (com ou sem subsídios) é, em parte, alvitre da vossa luta.

ÁUDIO 10_«O que acontece hoje é que o acadêmico que investiga também é artista e dá uma ajudinha a si próprio porque precisa fazer currículo»

Essa «gestão de currículo», em que os acadêmicos estudam as suas próprias obras artísticas, segundo você assinala, demonstra a falta de interesse da Academia, em suma, na arte experimental?

ÁUDIO 11_«O ciclo já está definido e tudo que tem sido acrescentado já são outras problemáticas»

Do poema-processo ao poema-avatar

É peculiar em seu trabalho, nas primícias da poesia experimental, a forma como adota o poema-processo, das artes performativas. Pode-se dizer que se tratou de uma maneira de criar linhas diferentes das circunscritas ao poema-objeto do concretismo, e de toda a sua forte influência naquela altura?

ÁUDIO 12_«O poema catatónico diz que um ato é gerador de uma poética, e isto o concretismo não tinha feito»

A sua produção artística está muito voltada para a performance. O corpo é mesmo um campo de batalhas?

ÁUDIO 13_«A televisão libertou o artista plástico do psicologismo»

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Duas das quatro imagens que compõem a obra «Bio-Virtual» (1983), em que se observa três elementos fulcrais no trabalho de Silvestre Pestana: o corpo na performance, o registo fotográfico e as luzes.

Por que a performance causou tanto estranhamento ao público daquela altura?

ÁUDIO 14_«Nós fazíamos performances na zona rural, daí o nosso trabalho de descentralização»

Por falar em espaços sociais… Então, depois de tudo o que já discutimos, a pergunta é: que compromisso social é este o da poesia experimental?

ÁUDIO 15_«Estar vivo é estar em permanente atenção às mudanças tecno-científicas e sociais que me envolvem, por isso mundo novo virtual já»

É por isso que nos últimos anos tem se dedicado à arte no mundo virtual?

ÁUDIO 16_«Eu faço uma transição que é muito importante para mim»

Esse é o novo povo novo, certo?

ÁUDIO 17_«Nas categorias da imaginação, da fantasia e da produtividade virtual é que nos restituímos como artista, então há um novo povo dentro de um novo povo, que são os avatares»

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«Avatar» (2012), em que Silvestre Pestana e Vitus Flores transpassam para o mundo virtual a 6ª Bienal Internacional de Gravura do Douro. Na foto, em detalhe o reflexo dos espetadores a assistirem a obra: “avatares” se misturam no ecrã.

Depois de mais de quatro décadas de carreira, do poema-processo ao, digamos, poema-avatar, não é frustrante que a arte experimental continue a ser estigmatizada com a ideia de que «até o meu filho faz isto»?

ÁUDIO 18_«Os grãos de simplicidade são os métodos experimentais da ciência»

Do fim

Como o seu trabalho está muito associado à performance, não é de estranhar que reflita sobre a brevidade, sobre o efémero. Como você lida com o fim?

ÁUDIO 19_«O meu tempo é a minha morte e o princípio da finitude é um princípio de completa consciência»