Texto de Isabel Nogueira sobre António Barros, parte integrante do projecto-livro “Uma Luva na Língua” (em preparação). [Texto]
A obra de António Barros insere-se num filão importante ao nível da experimentação de abordagens e linguagens na arte, nomeadamente, o seu intenso trabalho em torno da poesia visual e suas derivações. E esta pesquisa ganha especial impacte e consistência a partir dos anos setenta e oitenta, no contexto de um país a sair da Revolução de Abril, ainda em processo de procura de identidades várias e no caminho da estabilização na democracia.
Em 1974, acontecia a Revolução que punha cobro a quarenta e oito anos de ditadura. Derrubava-se o regime antidemocrático, colonialista, isolado e autoritário. Para este derrube terão contribuído as acções dos militares, especialmente aguçadas pela agonizante guerra colonial, assim como a acção histórica, mais ou menos clandestina, do movimento antifascista. Porém, as fundamentais mudanças políticas e sociais operadas num país fechado, conservador e pleno de urgências, por si só, não se assumiram determinantes, como seria eventualmente expectável, para o incremento das artes plásticas.
Na verdade, com a Revolução de Abril apenas terão regressado efectivamente a Portugal os artistas que emigraram por motivos especificamente políticos e não quem o tinha feito – a esmagadora maioria – principalmente por motivos artísticos, intelectuais, vivenciais, ou didácticos, evidenciando os problemas continuados da vida cultural e artística portuguesa. Do do ponto de vista artístico, a mudança individual, “pulverizada”, digamos, já se vinha fazendo desde os anos sessenta ou até cinquenta, por parte de artistas que, independentemente do espaço político-geográfico que habitavam, pretendiam ser efetivamente modernos, contrariando, portanto, a crença, que na época revolucionária naturalmente se vivia, de um pioneirismo da política face à arte.
Experimenta-se, ao mesmo tempo que se traça um novo caminho, polvilhado por novas abordagens e incorporações. Os suportes conhecem um notável desenvolvimento, nomeadamente, a fotografia, o filme, o vídeo, a instalação ou a poesia visual. Naturalmente que a produção artística foi facilitada pela fundamental abertura do regime, mas não absolutamente determinada por ela. Os anos setenta juntaram, em algumas situações, a particularidade da arte engajada com a Revolução mas, sobretudo, de uma arte que, pela primeira vez em tempo real e útil – o que, recordemos, temporalmente e do ponto de vista da consistência e da intensidade, não sucedeu com o primeiro modernismo português e que terá acontecido parcialmente com o surrealismo e com o neo-realismo em Portugal –, a possibilidade de a arte praticada entre nós se tornar legitimamente participante do movimento geral, mais vasto, da arte do Ocidente.
Neste interessante terreno que mistura os pressupostos e experimentação da neovanguarda internacional – de um modo geral – com a vivência de Abril, encontramos uma particularidade única da arte mais arrojada e original deste período. O trabalho Escravos (1977), de António Barros, é um feliz exemplo. Tanto a nível individual como na participação, por exemplo, com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), António Barros vai assumir uma linguagem consistente e reconhecível como sua. Por estes anos, instituiu-se um espaço de trabalho conjunto profícuo, entre Alberto Carneiro, António Barros, Armando Azevedo, Ernesto de Sousa, João Dixo, Rui Órfão, Túlia Saldanha, entre outros artistas/operadores estéticos. As atividades do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra estenderam-se a exposições, intervenções/operações, de entre as quais se podem destacar Novas Tendências na Arte Portuguesa, ciclo intercalado com Poesia Visual Portuguesa (1979-1980). 1
Nesta senda de pesquisa e de experimentação, merece igualmente referência o ciclo Projectos & Progestos: Tendências Polémicas nas Linguagens Artísticas Contemporâneas (1980-1985), em colaboração com o CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra), uma iniciativa que envolveu mais de sessenta intervenientes/operadores, tais como: Alberto Pimenta, António Barros, Ernesto de Sousa, Isabel Carlos, James Coleman, João Vieira, Nigel Rolfe, Ricardo Pais ou Silvestre Pestana. 2
Em suma, é neste contexto de espaço e tempo que o trabalho de António Barros ganha as directrizes de um modo próprio de operar. Isto é, de pensar e de fazer a arte.
V(l)er tb >
- Escravos, de António Barros
Notas >
1 – Cf. SOUSA, Teixeira de [António Barros] – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Arte/Opinião. Lisboa: Associação de Estudantes de Artes Plásticas e Design da ESBAL. N.º 13 (jan./fev. 1981), p. 19-20.]
2 – Cf. PROJECTOS & Progestos: Tendências Polémicas nas Linguagens Artísticas Contemporâneas. Sema. [Lisboa]. N.º 4 (maio 1982), p. 110-113.] ^