Exposição de António Barros. [Resumo]
Mágoa é uma palavra alusiva a sentimento, e sonoramente logo nos traz uma outra palavra de semelhante musicalidade. A palavra Água.
Somos em parte dominante feitos de água, e de mágoa. Mágoa magoada. Sede.
Mágoa pela desumanidade que macula a água sem mágoa por estar gerando finitude. Finitude do lugar e da existência de si. De nós.
Mágoa é carecer de água perante a sede. Essa lucidez depurada. Essa mágoa. Depurada palavra apurada.
Sucumbindo de tanta sede, para salvar a vida, Simone Weil, prisioneira, em mágoa pede água. Sem tempo para palavras diversas. Não diz: por favor podia trazer-me um copo de água. Diz apenas uma palavra: água. Água! Apenas uma palavra. Depurada. Palavra eleita. Essencial. Fundamental. Geradora.
Perguntaram ao poeta José Tolentino Mendonça qual teria sido, para ele, a maior invenção da Humanidade, a que respondeu: a palavra.
Trabalhar as palavras depuradas, geradoras, pode ser uma missão. A do poeta. Jogando as letras do alfabeto. Depuradamente. Depurando a mente. As mentes.
A Joan Brossa bastou roubar três letras ao alfabeto, as letras C, E e H, para gerar uma “Elegia a CHE”. Chegou a todo o mundo este poema para Guevara, o médico revolucionário.
Yoko Ono desafiou-me a criar uma peça para o “Jardim da Aprendizagem da Liberdade”. Eu faria o suporte para guardar a água. Ono colocaria a água.
Resgatei da venda um ninho de pássaro. De pássaro prisioneiro do ninho que a sociedade transformou em gaiola. Coerciva.
Pedi a Brossa de volta as três letras em falta no alfabeto. Para assim devolver à sociedade o alfabeto completo. Para dizermos todas as palavras. Essa liberdade. Dizer palavras, depuradas, como almeja o devir da água.
A palavra lava. Como a água. A palavra é lava. “A palavra foi a maior invenção da Humanidade”. Humanidade feita de Água. Água sem mágoa. Água.
A n t ó n i o B a r r o s
Nos desígnios de uma arte de acção procura conjugar os binómios: palavra_imagem e arte_educação. Intervenções sociais na senda do Movimento artístico internacional Fluxus, conjugadas com Robert Filliou, Serge III Oldenbourg, Joseph Beuys, Wolf Vostell e Yoko Ono, e na Literatura Experimental, com Joan Brossa, Augusto de Campos, Ana Hatherly, Salette Tavares, Ernesto de Melo e Castro, e com os fundadores da Poesia Experimental portuguesa: António Aragão e Herberto Helder.