E. M. de Melo e Castro e António Barros [Entrevista concedida à RDP Centro]

Momentos de uma entrevista concedida por E. M. de Melo e Castro e António Barros à RDP-Centro no âmbito do Ciclo Poesia Visual Portuguesa, CAPC. [Texto]


Excertos seleccionados. RDP-Centro, Coimbra, 6 Junho 1980.


RDP – Que representa esta sua exposição aqui em Coimbra?


E. M. de Melo e Castro (EMMC) – É uma retrospectiva do meu trabalho no campo da Poesia Visual desde o início dos anos 60. Evidentemente não inclui todo o meu trabalho, mas é sim uma selecção, principalmente do que produzi na faixa da Poesia Concreta. Este termo Poesia Concreta ainda é hoje bastante polémico. Necessita por isso ser explicitado, visto que estamos a falar para um público muito largo, e que no domínio destas ‘coisas estéticas’ não tem sido suficientemente informado. Começaria por falar um pouco sobre Poesia Concreta, visto que esse tema tem que ver directamente também com a minha exposição.


RDP – Acho muito bem. Será uma forma de introduzirmos os ouvintes no que é o seu trabalho.


EMMC – A Poesia Concreta, em breves palavras, é uma criação verbal que se materializa na página em branco em duas dimensões (aproveitando as potencialidades construtivas e criativas dessa página em branco). Enquanto que a poesia só verbal, e auditivamente entendida, utiliza unicamente a dimensão da escrita convencional, disposta em linhas, e que se chama: versos, a Poesia Concreta utiliza todas as potencialidades da página em que se materializa, tal como se ela fosse, por exemplo, um muro em que se pode escrever.

Quem tem prática de ler muros com inscrições políticas (como nós hoje todos temos), sabe que existem grandes possibilidades de invenção e de comunicação usando uma grande economia de sinais ou letras escritas de diversos modos no espaço branco do muro.

A Poesia Concreta, foi precisamente um movimento laboratorial que estudou, e desenvolveu, essas possibilidades. E que eclodiu em todo o mundo no começo dos anos 60, colocando a ênfase na comunicação visual.

Em Portugal eu fui um dos iniciadores, e neste momento tenho aqui, ao meu lado, um dos mais jovens inventores portugueses de Poesia Concreta, que é o António Barros – um dos membros da Direcção do Círculo de Artes Plásticas, a quem devo o convite para expor o meu trabalho aqui em Coimbra.

Devo dizer que estou extremamente satisfeito, tanto mais que apresento também o meu último trabalho, já realizado neste ano de 1980, o “DELFOS 2020” – um tríptico de largas dimensões que esteve patente na exposição “PO.EX/80”.

Esta foi uma grande retrospectiva da Poesia Experimental e Visual Portuguesa na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Lisboa.


RDP – A nível do nosso público essa comunicação, de Poesia Visual, tem encontrado uma reacção favorável?


EMMC – Como sabe, todos os movimentos de vanguarda, isto é, todos os movimentos que propõem algo de novo com uma certa carga de ruptura, propõem um salto para o desconhecido do grande público.

Todos os movimentos de investigação passam por várias fases até serem suficientemente compreendidos. Uma das primeiras fases, manifesta-se pela incompreensão total, que se reveste de acusações extremistas.

Os primeiros movimentos de vanguarda deste século – por exemplo o Futurismo e o Interseccionismo -, foram acusados imediatamente. Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Amadeu de Souza-Cardoso, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, eram “loucos varridos” em 1915. Nós, poetas experimentais, passámos também por essa prova de fogo. Mas, a acusação, não era já de loucos, mas sim de herméticos. Incompreensíveis. Elitistas dissociados dos problemas do povo, e outras acusações desse tipo que vinham dos vários quadrantes da cultura estabelecida.

Nós hoje ultrapassámos essa fase, e pode dizer-se que, embora hajam ainda muitas perguntas no ar (e seja necessário muito esclarecimento), os mais jovens consideram que a Poesia Visual e Experimental são já um dado adquirido e assimilado na sua cultura.

Hoje existe, sim, uma necessidade de diálogo que tem até carácter didáctico – para elucidar àcerca das funções e da necessidade das vanguardas. Por isso, esta exposição, e o colóquio bastante interessante que se realizou durante a sua inauguração, mais confirmaram em mim a ideia de que as obras falam por si próprias, e o que é preciso é motivar as pessoas, pois elas possuem já uma memória imagística que foram adquirindo, e que as habilita a compreender e ler – de modo estimulante – trabalhos de criação artística que ainda há poucos anos eram considerados incompreensíveis. Aliás, foi também o que aconteceu em grande escala durante os dois meses em que a “PO.EX/80” foi visitada por mais de 12. 000 visitantes.

É essa uma das características da Poesia Experimental Portuguesa, e também da minha Poesia Concreta: a grande ênfase posta numa comunicação aberta a livres actos de leitura. Isto, paralelamente com a desmistificação de linguagens enquistadas ou esclerosadas por um uso inadequado, ou ao serviço do estabelecimento político-social. Como era o caso, antes do 25 de abril.


RDP – António Barros (AB) será que Coimbra vai aceitar bem os trabalhos de Poesia Concreta de Melo e Castro?


António Barros (AB) – Em relação à cidade de Coimbra é sempre difícil formular uma opinião precisa, pois esta cidade caracteriza-se por ser, ainda hoje, uma cidade extremamente ‘académica’ e, de certo modo, fechada a ‘experimentalismos’. Claro que não nos podemos subordinar a uma visão limitada por esse mesmo ‘academismo’. Interessa-nos, e cada vez mais, fazer uma ruptura. E, para responder a esse hermetismo, trouxemos ao CAPC esta colectânea de experimentalismo – da Poesia Visual Portuguesa.

Há que fazer uma intervenção directa sobre o público e, também nesse sentido, a obra de Ernesto Melo e Castro é genial. Essencial para mostrar toda essa intervenção poética e visual.


RDP- Posso referir que, efectivamente, muita gente se tem deslocado à Galeria CAPC para apreciar os trabalhos dos diversos artistas que entretanto nos trazem.


EMMC- Por mim considero que o trabalho que estão aqui a fazer no CAPC é um trabalho pioneiro, mesmo ao nível do país. O essencial é mostrar os trabalhos às pessoas. Pô-las a discutir até elas próprias descobrirem que não há nada hermético e incompreensível. E assim convencerem-se que também sabem ler.