POEX em Coimbra recuados trinta anos

Reflexão sobre a Literatura Experimental portuguesa, com referência a nomes e actividades. [Texto. Imagens]


Uma leitura trinta anos depois da publicação deste anúncio conduz-nos a uma reflexão: a Literatura Experimental portuguesa, na sinalizada temporalidade particular, insinuava-se na cidade de Coimbra.

O cartaz surgiu editado no Jornal de Letras, Artes e Ideias (12-18 novembro 1985), publicação residente em Lisboa.

O lugar difusor que galvanizou o ciclo expositivo surge, então, na Galeria CAPC – parte integrante do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), espaço sede, à Rua Castro Matoso, 18, em Coimbra.

Alberto Pimenta, António Barros, Ernesto Melo e Castro, Fernando Aguiar e Silvestre Pestana surgem nesta plataforma temporal operando no domínio da poesia experimental, território complementado aqui com duas outras iniciativas: “Poemografias” e “Coimbra, poesia visual 1975-85”.

“APOKATASTASIS”, intervenção evocativa da personalidade e obra de Julian Beck, e accionada aquando a sua morte, trabalhou um território pluridisciplinar onde a componente performativa reuniu contributos diversos como os que foram proporcionados por António Barros, João Torres, e José Louro (elementos do projeto Artitude:01), Silvestre Pestana (que operou uma incursão no Living Theatre em Londres), Rui Mendes (do grupo Fila K) e ainda a contribuição a distância de José Troya (actor brasileiro, elemento fundamental do Living Theatre). O território suporte foi a fachada do edifício sede do CAPC com projecção directa, as janelas em ciclorama, e a zona pedonal envolvente.

O colectivo The Living Theatre chegou a fazer uma residência na cidade de Coimbra em 1977, e o CAPC foi um dos territórios da sua paradigmática intervenção numa arte das vanguardas. Vale rever a narrativa dessas vivenciações nos escritos com que nos contemplou José Ernesto de Sousa em múltiplas publicações [cf “Ser Moderno em Portugal”].

José Troya fez uma residência artística em Coimbra onde conheceu a experiência do Artitude:01.

Silvestre Pestana e Fernando Aguiar editaram “Poemografias” em livro e exposição itinerante. Coimbra foi uma das cidades eleitas.

Foram fabricados registos fotográficos de “Apokatastasis”, painel que integrou o projeto do livro que catalogaria a exposição evocativa da poesia experimental: “POEX – O Visualismo Português entre 1964 e 1980”, realizada no Museu Serralves em 1999. Uma iniciativa proposta por Vicente Todoli, então director do Museu, com curadoria de João Fernandes. Foi o projeto de catálogo desenhado por António Barros.

Também de António Barros é a autoria do presente anúncio publicado pelo Jornal de Letras. Com um total despojamento de meios, resultou um objecto trabalhado com uma técnica selvagem – onde a manualidade e a collage formulam o texto fabricado a partir de avulsas letras Mecanorma, caligrafia manual, redes de película de sombras -, resolvendo a composição com uma inversão de fotólito para negativo. Toda uma técnica nómada e inventiva a que a ausência radical da infografia obrigava sempre que eram procurados efeitos pretensamente inovadores. Mesmo visionários, então. Hoje talvez perplexos, mas a merecer atenção pela destemida ousadia de gestos surgidos a contrariar uma feroz ausência de meios.

Os conteúdos da exposição documental foram colocados em depósito na “República Palácio da Loucura”, comunidade onde foi residente Herberto Helder, em Coimbra.

O original do recorte que inscreve o anúncio, agora fotografado, pertence ao Arquivo de Silvestre Pestana.

Das fotografias inscritas numa revisitação possível, destaque para a operação de Ernesto Melo e Castro, em “A Teia”, e “Apokatastasis” (Arquivo do fotógrafo Guilherme Silva).

Desenho de Ernesto Melo e Castro, registo póstumo da intervenção “A Teia”, foi publicado na Revista da Academia de Coimbra – Via Latina (edição especial das Comemorações na Universidade de Coimbra do Centenário da AAC, publicação com direcção de António Barros).

No cartaz composto para anúncio, do mesmo autor é a então marca do CAPC. Identidade que chegou a ser um dos logótipos publicados por este Organismo da Academia de Coimbra.

A enunciada actividade no território da Literatura Experimental, expressa nesta plataforma, convoca outras realizadas na mesma temporalidade e geografia como: “Dois Ciclos de Exposições – Novas Tendências na Arte Portuguesa e Poesia Visual Portuguesa”, no CAPC, com curadoria de Alberto Carneiro e António Barros [cf catálogo CAPC AA1979-80], e no Simpósio Projectos & Progestos, no Teatro Estúdio do CITAC, direção artística de António Barros.

Na primeira, a presença de Alberto Pimenta, Ana Hatherly, António Aragão, António Barros, Ernesto Melo e Castro e Silvestre Pestana; na segunda realização em simpósio: Ernesto Melo e Castro com “One Man Show”, Alberto Pimenta com “Conductus”, António Barros com “Mais ExaltadaMente Mil MásCaras”, Silvestre Pestana com “Radiologias” e a colectiva “PoesiAcção” com Alberto Pimenta em “Poesia para a CEE”, António Aragão com “A Família Urro” e “Ovo/Povo”, António Campos Rosado com “Joaninha”, Fernando Aguiar com “Letrismos”, Maria Laranjeiro com “Textos Visuais – a laranja” [cf. “Esta danada caixa preta só a murro é que funciona”, Imprensa da Universidade de Coimbra].