Penélope reconhece Ulisses

Texto de António Barros sobre a sua instalação “Ninguém_Penélope reconhece Ulisses”. [Texto. Ligação]


In catálogo da exposição: “Almeida Garrett na Torre d’ Anto”, Coimbra, 1999.


“Eu sacrifico às musas de Homero, não de Heródoto: e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo da melhor verdade!”

Este dizer de Garrett enuncia uma vocação arcadizante nos seus textos, e deles respira uma condição de intemporalidade, perenidade de estar, afirmação de obra – como obra de hoje.

Num dos tempos da sua escrita, saúda Garrett a figura de D. João numa adesão ao mito sebastianista. Daí conjuga uma confrontação de partida e regresso ilusório, cumplice das manifestações mais céleres de um reencontro vigoroso vestido do irreversivelmente perdido – ‘ninguém’.

É no desenho deste romantismo de existência, em que as marcas do tempo não perdoam ao ser, que a escultura busca simbolismo. O último rosto do ínfimo desconhecido. ‘Penélope reconhece Ulisses’.

A materialização plástica desta narrativa [de ninguém] formaliza-se a partir de uma conjugação de matérias múltiplas: o ferro oxidado cumprindo um desenho concreto da letra V (resolvendo a espacialidade  de um território fronteira; e aí surgem, em esgrima de olhar, frontalizando-se, rostos caninos de género contrário, toda uma sensibilidade espelhada nos opostos a convocar comunhão).  Matéria é também, a da matéria hulha negra que espera incendiar-se entre os braços opostos. Do calcário à sumaúma; do pesado ao leve de si; de Penélope a Ulisses. Tudo numa tensão de força, quebra nozes, quebra vozes, Frutos cansados da palavra dita. Olhos nos olhos. Sem olhos. Hulha escura. Noite. De “Ninguém”.


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