Texto de António Barros [1980-1982]. Leitura a partir de [+de] 20 grupos e episódios no porto do século xx, Galeria do Palácio, Porto, Capital Europeia da Cultura_2001. [Texto. Ligações]
[Edição de testemunho publicado por VídeOporto, Porto, Julho, 1982]
A televisão está connosco há 25 anos, unidireccional caixa mágica que nos espelha espectacularmente os actos e os gestos conjunturais da superestrutura cultural, e como tal, nos imprime uma pseudo homogeneidade global. No entanto, nada é tão contrário a esta homogeneidade do que a tecnologia televisiva que, submetida a uma análise e estudo crítico, nos revela uma dinâmica contextual de alto teor diferenciador.
A televisão, assim como todas as tecnologias em fase de maturação, confunde-se com as funções geralmente desenvolvidas pela cultura fílmica. Mas basta que cada um de nós tenha acesso à sua manipulação produtiva para rapidamente nos apercebermos das suas subtis diferenças, estruturais diferenças, que, quanto a nós, são imperativas quer no que diz respeito às suas possibilidades e limitações, quer no âmbito mais alargado da investigação e impacto sociocultural.
Definidos os seus vectores generativos, aprofundadas as suas potencialidades, a televisão deixará de ser uma inebriante caixa de alucinações espectaculares para se tornar um meio, ou utensílio, inestimável, de interações informacionais e cognitivas. Basta delinearmos o fluxograma e analisarmos a matriz acopulativa das mais recentes inovações tecnológicas para deduzirmos a soltura que lhe é própria, e que já está a exercer a sua supremacia em relação aos outros meios de comunicação audiovisual.
É deste contexto de coexistência unidirecional televisiva, gerada em inovações tecnológicas aceleradas, que desde os finais dos anos 60 os operadores estéticos surgem questionando esta nova realidade socio-electro-cultural.
Convencionou-se chamar VídeoArt aos produtos que obedecem às seguintes considerações gerais:
- Utilização do “media” TV como tela ou suporte de registos,
- Uso intensivo das tecnoexpressividades electrónicas interactivas,
- Formulação de uma noção narrativo-temporal que atenda às leis do “bio-feedback” cultural.
Elementos para uma leitura de VídeOporto
Estamos agora, e hoje, diante de um novo sistema de representações sociais, e no que julgamos, de atitudes criativas. Isto revela-nos usufruidores de um momento de privilégio, no entanto, e de igual modo, de relevantes responsabilidades.
Aqui o instrumento Vídeo, e o então domínio da sua implícita expressão, passam a ser um elemento de integração da pessoa nos ambientes que ilustram a presente paisagem cultural; o acto sociológico.
Da sua regência cultural, obriga, dada a especialidade, esta, imperativos de consciência. Refiro por excelência duas dominantes que apontam para uma atenção constante:
- A opção por explorações que dizem contemplar o mundo dos exemplos técnicos, e que circunscrevem a expressão da sua programação numa preferência estética de modernidade,
- Os operadores aqui presentes, como intérpretes de civilização e ilustradores de um perfil da comunidade em que operam tornando-se culto, espelho responsável das formas culturais que geram, e das suas revoluções de linguagem.
A televisão, o vídeo, como agentes dominantes dos meios de comunicação, transportam privilégios e perigos. Para isso nos alerta também, de modo original, Wolf Khalen:
Num mundo com tanta gente analfabeta, e o que é mais assustador, virtualmente sem instrução, ou então manipulada, adulterada, este instrumento [televisão] é o mais eficaz na criação de uma brecha profunda entre os detentores do conhecimento e aqueles que jamais apanharão a carruagem… A televisão significa, pois, e apenas, estar à janela, contemplando a distância, com os cotovelos apoiados numa almofada.
A nossa opção, portanto, é mudar a condição, conduzir o trajeto para o outro lado da janela, contemplando a muralha…
VídeOporto é o móvel da transição, o pretexto.
Com origem ainda recente, VídeOporto vem fazer despoletar um projecto com características muito próprias: um certo sentido de manifesto e um espírito cooperativo resultam como factores iniciais e dominantes. E, como tal, o próprio programa se denomina [VídeOporto] fazendo por afirmar-se, de preferência, num determinado espaço geográfico onde se insere a cidade do Porto.
Revela-se assim a cidade enunciada como a capital da segunda área televisiva do país (segundo as classificações até então estabelecidas) e é este, então, um dos motivos de surgir, como grupo, o VídeOporto (e aí se inserirem participações, mormente, das cidades do Norte e Centro.
A agregação dos diferentes elementos em torno do projecto que aqui se vem fazendo programar, devem-se, não a um encontro de identidades, ou iguais propósitos temáticos, mas da disponibilidade e envolvência dos mesmos em torno de uma política de carências.
A falta de meios materiais, técnicos, e mesmo económicos, leva a que todos operem em dificuldade no fazer gerar arte com improviso, e é isso tanto do que cerceia a ideia em objectivo – resistência.
Toda a prática operativa que aos mesmos agentes artísticos precede, caracteriza-se assim por nutrir experiências solitárias, essas que mesmo contra todos os impedimentos e incompreensões, de todo o modo alguns dos elementos do grupo têm conseguido com determinação produzir.
É legítimo, ainda, referir aqui alguns factores que se apresentam como premissas condicionantes dos objectivos operativos pretendidos, como mesmo da evolução e qualidade da acção presente que abraça os propósitos da acção em programa. Factores esses que, por sinal, e na ausência de uma ilustração dos mesmos, pode conduzir a leituras, e mesmo juízos, descontextualizados das realidades que a prática da operação por agora obriga.
A “Vídeo-Art” é também, entre nós, um exemplo carismático da subordinação dos operadores aos meios tecnológicos, e das diferenciações de modos de acesso aos mesmos, e consoante a sua posição geográfica.
A exploração e a experimentação dos media obriga, assim, a inerentes atrasos de carácter provincial (característico das periferias). Ora então vejamos: No Centro do país não existe actualmente qualquer equipamento, no domínio Vídeo, para a prática de foro artístico, tudo contrariamente ao que sucede na cidade de Lisboa que, em tempo oportuno, ainda que de vida breve, utilizou como suporte o Sector Vídeo da GNAM [Galeria Nacional de Arte Moderna].
A cidade do Porto, tendo possuído o primeiro equipamento vídeo para utilização na área artística, teve este acesso na dominante das situações de modo condicionado a um imperativo pedagógico [com os inerentes, e mesmo naturais, constrangimentos], ficando o equipamento circunscrito à ESBAP [Escola Superior de Belas Artes do Porto]. ESBAP, seu proprietário, que de todo o modo proporcionou alguns, reduzidos, apoios ao trabalho de artistas operadores externos.
Enunciámos aqui apenas alguns exemplos de condicionamentos, mas que de todo o modo nos deixaram situados aquém de uma verdadeira capacidade de investigação neste domínio da arte do vídeo.
VídeOporto manifesta, assim, e no sentido da resposta, um divórcio entre a vontade teórica (geralmente alheia a uma pretensa familiarização com os meios técnicos), e propõe, como alternativa, o exercício cooperativo advogando a mutualidade nas práticas da manutenção dos suportes diversos [meios técnicos operativos e oficinais], como até mesmo, e ainda, na interação das experiências tidas, ou mesmo a comunhão dos saberes adquiridos nos percursos de aprendizagem, e a própria revelação.
Falando ainda do que circunscreve o corpo vivo que sustenta o grupo, e das vastas deambulações em torno dos modos de afirmação, gostos ou tendências, é relevante no colectivo VídeOporto a permeabilidade e interesse pelas mais diversificadas áreas de acção artística e gestos.
Consoante certas classificações, os “artistas dividem-se pois em dois grandes grupos, nem sempre muito demarcados – os que utilizam esse elo audiovisual para registarem as suas acções artísticas, e os que o usam no seio de uma análise dos “mass-media” da informação, os mecanismos de comunicação” (Helena Vasconcelos).
Nesta primeira fase, em VídeOporto, a dominante dos trabalhos, em prática, increve-se mormente no primeiro bloco, sem que de todo o modo a outra face deixe de ser uma preocupação latente, e até para alguns elementos do projeto mesmo prioritária.
Mas outras premissas referem características também próprias neste âmbito. Os trajectos de obra e sua opção de âmbito meramente artístico. Os trajectos de obra e sua opção de linguagem, ou a tendência de cada elemento, orienta-se em toda uma procura em prol de específicos propósitos numa agora aplicação do suporte media vídeo.
A diversidade de pesquisas é um factor de enriquecimento, contudo, o vídeo permite profundas potencialidades para essa resposta.
O vídeo-painting, a vídeo-performance do próprio autor, a vídeo-poética, o vídeo-computer-art, o vídeo documento da acção artística, a vídeo-escultura performativa, ou não, as instalações vídeo, dão azo apenas a algumas das aplicações possíveis.
Concretamente, na primeira mostra de VídeOporto [3ª Bienal Internacional de Arte de Cerveira e no 2º Festival de Arte Viva de Almada], os trabalhos apresentados têm uma característica muito própria, pois a generalidade dos vídeos não surgem como realidades consumadas, ou mesmo muitas das vezes, exercícios concluídos.
A preocupação subjacente é o seu carácter interventivo, e em certos casos o resultado de uma primeira familiarização com os próprios meios técnicos materiais; a fase formativa (através do workshop, numa busca de valorização resultante de uma prática de relação com o próprio espectador).
O vídeo é aqui ainda um processo de acção, agindo como instrumento de reflexão em torno das linguagens e vontades que ilustram a nossa temporalidade artístico-cultural.
O projecto é lançado, e manifesta-se na procura de uma sucessiva valorização resultante de uma prática, e experiência, em constante mutação – o “work in progress”.
Da continuidade, e dos perímetros de sobrevivência, falará o futuro com suportes e textos mais adequados.
O primeiro passo, como reflexo de consciências e vontades, é hoje uma realidade objectiva.
Mesmo para quem fizer terminar por aqui a vivência deste momento, julgo já de uma importância relevante.
V(l)er tb >