Texto de António Barros para a exposição I N F L A M M A T I O. [Texto. Ligações]
G e l o R e a l _ V e s t í g i o s | 2014_2018
Há também uma morte elástica. Uma desconstrução metabólica do sentido e da consciência conduzido por diversos quadros sindromáticos que podem inscrever-se no domínio clínico, mas também, e apenas, no comportamental de índole sociológica. Antropológica.
Assim a morte elástica é uma navegação, mas uma navegação que se orienta para o interior da condição de si. E essa consciência dilui-se. Desmaterializa a memória. Evacua-se liquidificando o próprio sentido de si. Não rigorosamente no que Zygmunt Bauman enuncia como liquidificação do sentir que surge de modo cultural e de modo opcional. Mas uma liquidificação involuntária. Que transcende a vontade do navegador.
Esta viagem para o infinito de si. Para a vacuidade. Tem um modo semiótico de se fazer manifestar que dificilmente se faz enunciar e proporciona uma legibilidade de máscara. Mas uma máscara que condiciona o rosto a uma petrificação do gelo. De gelo real. De gelo real na pessoa real.
A morte elástica manifesta-se numa iconografia do olhar. O olhar não é mais dirigido e paralelo na sua condução de leitura, mas sim um olhar divergente. Anguloso. E permite uma observação como janelas sem cortinas iludindo que é possível visionar o interior do ser. O seu profundo.
Os olhos não são mais um olhar. Porque eles reservam-se apenas para uma entrada de luz. Uma luz fria. E o olhar é apenas interior dispensando o olho. Aqui o vítreo olho resigna-se a ser um gelo real. Uma luz sem luminescência.
A morte elástica é também convulsiva. Ela deambula-se no interior do ser como uma maré que sobe e desce lavrada pela narrativa das ondas.
Foi neste ir e vir liquidificante e diluidor que encontrei o cenário demolidor que é a consciência da desconstrução do sentido. Do sentido de vida. E da vida sem sentido [“Viver_Não Viver”, 1977]. E como o sentido na sua própria condição de conceito progressivamente se dilui.
A morte elástica balanceia entre balizas ténues que desfalecem dentro da moldura imposta. O corpo resta-se como moldura. Os olhos como janelas mínimas dentro da moldura maior. E nesta moldura da moldura apenas é possível espreitar para dentro do ser através do olho gelado. Desse gelo real.
O que lá dentro ocorre é uma coreográfica desmontagem. Uma desmaterialização da memória e toda uma procura ansiosa do que resta do sentido [“sente_ido”,1986 *].
Formulei os contextos cénicos da consciência icónica da morte elástica através de duas peças pretensamente artísticas: “Valsamar”, 2010, numa leitura desse afundamento tumular quando o mar se cansa e desmonta ao atingir a costa. Nesse rebentamento. E o que se gera na fragmentação das cabeças que se avulsaram em “AutofAlgias”, 2013.
Esses segmentos de “AutofAlgias” resolveram-se numa cascata cheia de ausências de solenidade. Num cortejo gregário de seres sem sentido que mergulharam para o seu interior. Afogando-se na memória líquida e no vazio. Nesse gelo. Sem aura. Nos vestígios. Em: “Gelo Real _Vestígios”.
* Texto visual _correspondência com José Ernesto de Sousa.
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