Texto de António Barros sobre “A Ponta do Pé”. Poema. [Texto. Ligação]
[Leitura de Gudrün Stritzke (Alemanha) e Luisa Garcia (Espanha). Vulto Limite, Project Association Artists NDC, 10 de março de 2012, República das Artes, Cerveira, Portugal.]
A artitude aqui experienciada explora a construção do texto a partir da aplicação nas páginas em branco do livro de um carimbo.
Este, ancorado a uma garrafa de vinagre, tem na sua base composta a frase: [ corrido a pontapé ].
É apenas com este cunho que todo o texto é impresso, convulsivamente, diversas vezes em cada uma das páginas.
Progressivamente os caracteres dispensados são anulados pela tinta branca de um corrector, gerando assim novas palavras a partir do carimbo, e assim construindo a narrativa que o texto pretende proporcionar.
Aqui, e recorrendo a este processo ‘aprisionado’ e rudimentar, o autor do texto narra a sua própria história, desde os dias da sua chegada a Coimbra, em 1973, até aos dias de hoje.
De uma forma sinóptica, consegue assim enunciar diferentes experiências vividas, encantamentos e lástimas. Denuncia neste modo, singularmente ‘encarcerado’, o potencial imensurável desta minúscula ‘máquina de escrever’ e a sua condição bem longe de ser redutora.
A partir desta escrita o autor, em Vulto Limite, desafiou a comunhão com o público de várias nacionalidades e idiomas a fazer a sua própria leitura sonora.
Convoca aqui a ruptura, a emancipação e a fuga, enunciada_denunciada, pela fonética de outras línguas. Tudo na revisitação à leitura do texto base do carimbo, assim ditando o sentir, e os seus contrários, de quem vivencia um lugar onde pode ser um dia, em fatal condição, “corrido a pontapé”.
A ponta do pé
A pé, corri a ponte
a pé.
Corri, corri.
Corri a ponte a pé.
Corri a ponte, corri a ponte, corri a ponte.
Corri a ponte a pé.
A pé.
Ri, corri.
Ri da ponta; da ponta do pé.
Ri.
A ponta, a ponta.
A ponta do pé.
Corri.
Corri a ponte.
A ponte a pé.
Ri corri ri corri ri corri.
Corri.
É.
Corri a ponte a pé.
É.
A pé.
Corri corri corri.
É.
Corri corri corri corri corri. Corri a pé.
Corri a pé.
A pé a pé a pé a pé a pé a pé a pé.
A ponte.
Corri corri corri corri.
Corri a, a pé.
O o o o o o o o
Pé-corrido: pé ora.
Na corda, pé é.
Pé a pé, até a ponte.
Corrido do rio.
Do rio cor de rapé.
É.
Rapé do pé.
A ponta do pé.
Ri.
É.
Ri até o corpo do pé.
Copo, a copo, doa.
Copo a copo, doa coroa.
Doa, doa o pote até a cota; a corda, até a corda.
Doa, doa o pote.
Doa a coroa.
Coroa, rio ido.
Do rio corrido.
Ido corrido.
Corri a ponte.
Corri.
Corri a ponte.
Corri a pé a pé a pé a pé.
A pé doa. Doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa doa.
Doa até a coroa.
Até o rio.
O rio corrido.
Rio corrido, rio corrido, rio corrido, rio corrido, corrido e ido.
É o rio.
É o ido.
O ido a pé.
O ido a pé.
O, o ido a pé.
O ido a pé, o ido a pé, a pé.
De pé.
Pé na pedra.
A pedra no pé.
No pé a pedra.
Coro.
Coro da cor do pé.
Até ao corte.
Coro. Até ao corte no rito.
…
Do pé …
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