11ª e última vez

Texto de António Barros sobre sobre a obra’aMor(te)’. [Texto. Ligação]


Esta peça inscreve-se na constelação de objectos (‘arte do objecto’) que abordam, e não menos, os desígnios (do texto convocado às explorações) da denominada ‘poesia experimental’.Tecnicamente ela conjuga, numa condição operacional, a ‘collage’.

Contextualizando a peça, observamos que é na atmosfera das “artes do/para o comportamento” que este objecto-satélite (elemento mutualista) habita o espaço cénico (da ‘instalação’). E é também aí que (no meu percurso), surge o objeto (obgesto) a habitar o acto performativo, como é exemplo a conjugação da ‘escultura viva’ na operação: “Mais ExaltadaMente Mil Máscaras”,Projectos & Progestos, TeCitac, Universidade de Coimbra, 1983.

Este objecto ganha plurais razões para existir para além da sua função comunicacional. Semântica. Sinergiza a sua condição de ‘objecto-suporte’ com um outro – o de elemento conjugado à cénica e sua espacialidade, logo na comunhão com a dinâmica de uma arte corporal que o habita. Responde assim ao desafio-convite que resulta da perene ‘vivenciação’ conjugada, aqui legendada pelo objecto-sinal: “aMor-te”.

Na minha pre-ocupação de recolher atitudes particulares potencialmente performativas (1) – no lugar social envolvente -, comecei por colecionar recortes de jornal, anúncios onde os “corações solitários” procuravam parceiro para uma conjugação operativa ou potencial casamento. Este apelo de comunicação ganha contornos originais, não só na escrita, como no imaginário dos próprios conteúdos da atitude, e até mesmo no formato operativo do convite-desafio e sua arquitetura performativa que a necessidade de enfatizar o discurso para a eficácia da comunicação convoca.

Aqui procuram convulsivamente o pretenso ‘amor’ até ao seu tempo-oportunidade limite. Até à morte. O anunciante que se apresenta enunciando-se “pela 11a e última vez”, em tom de ameaça gritando abandonar o “jogo”, é disso exemplo. O amor como preâmbulo da morte. A realização como potencial; como digno devir (a escritora Agustina Bessa-Luis encontrou, na tipologia desta constelação das procuras e ofertas de comunhão em anúncios de jornal, um amor para toda a vida).

A mala (destes “amores/desamores”) passa então a acompanhar múltiplos actos performativos em diferentes circunstâncias. A memória. O objecto protésico, bandeira de uma condição identitária de quem busca a emoção por excelência. A emoção-sentir vestida do esperado efeito-surpresa. Esse transeunte para a admiração que precede a narrativa ‘amorisante’ antes desta resultar agente diluente ou concreto.

Recorrendo à topologia de Lacan, observadora do Eu que procura o Outro, percebemos que desejar não é desejar o Outro, mas desejar o desejo do Outro: é Kojève, e sua leitura de Hegel, quem dá aqui a Lacan o meio para formular a ideia de que a estrutura reacional do sujeito não está ligada à situação que a permitiu de maneira ocasional, mas de maneira essencial, na medida em que ela já contém em si mesma. O sujeito não é anterior a este mundo de formas que o fascinam : ele constitui-se em primeiro lugar por elas e nelas. O exterior não está lá fora, mas no interior do sujeito. [Bertrand Ogilvie a propósito de “O Estádio do Espelho” de Lacan].

Assim o objecto obgesto pode valer, também por si, enquanto marca de comunicação ou como arte apenas por si, mesmo sabendo que ele é sempre parte de um lugar maior se o contextualizarmos no globalizante exercício da performance-art. Ele é quem ancora, obrigatoriamente, vivências. Aqui com um perfil de arte comportamental portadora de memóriais-objectos. Ele é quem conta a história das estórias.


(1) coleccionei narrativas de suicídios inéditos valorizando a originalidade das respectivas performatividades. Depois transformei os conteúdos em objectos-livro que foram expostos em diversas iniciativas. Festival de Poesia Viva, Museu Santos Rocha, Figueira da Foz; Galeria dos Milagres, Coimbra e.o. Titulou esta operação: ” Suicídios Inéditos”.


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