O discurso comprometido

Texto de Rui Orfão sobre António Barros. [Texto]


O   d i s c u r s o   c o m p r o m e t i d o   d o   p o e t a   a p a i x o n a d o


Dos elementos que se serve um operador moderno para a elaboração de um trabalho, de uma obra, deparamos com a interação de diversos medias característicos da experimentalidade. As permanentes pesquisas inerentes às potencialidades tecnológicas que caracterizam uma geração inundada pelas máquinas, pela informática, em constantes metamorfoses tornou-se um dos principais problemas dos operadores já que o correcto manejo dos instrumentos de comunicação é fundamental para a escrita poética, para uma nova monumentalidade.

Cabe esta introdução a propósito de um operador que num trajecto de há já longos anos desenha uma importante e multifacetada obra dentro destes domínios. O rigor e o espírito de síntese entrosado com uma invulgar capacidade de recriar, de (re)ler os íntimos aspectos do humano, porque o Homem e as relações humanas são as características dominantes nos trabalhos de António Barros – um poeta desta geração que mergulha no silêncio à escuta de sons perdidos, ecos distantes de uma pureza inicial e iniciática.

É sem esforço que nos confrontamos com iminentes conflitos, de corpos possuídos de incertezas, tensões enlouquecedoras, geradoras de comportamentos inqualificáveis. Vidas violentas que se expressam pela escrita poética, uma poesia reflexo da vida. A selva do direito ao mais forte e onde o gesto sublime está em rasgar, possuir e morrer. O efémero gesto de um herói que desconhecemos mas veneramos.

Do atribulado trajecto sempre a experiência, o laboratório, a pesquisa. O rigor conceptual das fascinantes, insólitas, e simples arquitecturas das instalações onde os elementos naturais constituem um importante retorno às origens. O fascínio dos corpos presentes/ausentes, o delírio erótico do tempo, num contorno, numa corda em tensão, num pano suspenso que é suporte e poema, nos interstícios do visível. Sonetos sem rima mas de um ritmo novo, sonoros nos seus segredos amordaçados, colinas de cinza, registos de memórias intensamente vividas, ilhas de magníficos oceanos.

António Barros, aquela presença inquietante de um olhar severo, julgador da evidência, a serenidade de um espírito irrequieto e obsessivo. A sua obra expressa essa severidade, esse julgamento e essa serenidade, um certo desconforto por tornar simples a visualização do aparentamente complexo.


[Rui Orfão, Coimbra, Agosto de 1984. Apresentado in: PerformArte-1 Encontro Nacional de Performance, Março 1985]