Texto de Omar Khouri sobre António Barros. [Texto]
Texto apresentado no Ciclo “Coimbra (t)em Poesia”, Casa da Escrita, Coimbra, 23 de março, 2016.
Aquela história de que uma imagem vale mais do que mil palavras não convenceria, hoje, um “leitor” não-ingênuo, que indagaria: – Qual imagem? – Quais palavras?, pois, se imagens se apresentam com um maior grau de compreensão em termos universais, as palavras podem ter um peso considerável e impactar o leitor-ouvinte de um modo acachapante. Que tal elaborar mensagens em que palavras e imagens se confrontem, complementando-se? Esta parece ser a tendência da poesia mundial nas últimas décadas, pelo menos, da poesia mais viva que se pratica. Poeta ou artista visual, fica-se em dúvida, mas pouco importa a classificação a um produtor-de-linguagem: António Barros é um fazedor: elabora mensagens especiais, plenas de informação estética e que adentram o universo do Admirável. Poemas – tanto no sentido lato como no estricto. Peças para serem apreciadas por fruidores de alto repertório específico sem, porém, excluir os “não-iniciados” que, surpresos com a configuração dos trabalhos (que se mostram) farão todo um esforço no sentido de uma aproximação, um entendimento, até onde este é possível em signos de tal natureza, os quais se desdobram ad infinitum. A questão da visualidade, presente em poesia desde que poemas passaram a ter registros escritos, ainda na Antiguidade, ganha relevo com os poemas em forma de, o que acontece ao longo da história do Ocidente com os carmina figurata praticados com maior ou menor destaque sendo, no entanto, uma ocorrência subsidiária à corrente principal em que o verso entrava como entidade soberana. É no século XX que a visualidade, indo além dos cometimentos figurativos, ganha relevo, tornando-se fundamental (main stream) sem, por isto, descartar o verbal, que comparece, nem que seja apenas no título do poema, o qual entra como elemento constitutivo estrutural da peça. À prevalência da forma, corresponde uma potencialização semântica (depreende-se da teoria jakobsoniana de funções da linguagem que, do verbal, estende-se ao intersemiótico, que é onde signos de diferentes códigos se encontram e interagem). Em Portugal, nota-se uma disposição ao visual, que tem remotamente no Barroco um precedente de peso, além de feitos ainda mais remotos de poemas em que as palavras evocavam o visual, ocorrência que continua a se observar ao longo dos séculos. A visualidade via Futurismo se insinua em poemas do 1º Modernismo português, assim como palavras, via Cubismo, na Pintura. Com maior ou menor ênfase, a visualidade acontece na poesia lusa, até que explode, a partir dos anos 1960, com os poetas da 1ª geração de concretos/experimentais, os experimentais “históricos”, que preparam uma investida sem precedentes: a desmontagem de limites entre as Artes, as Linguagens, os Media e a internacionalização da produção poética. Portanto, após o fenómeno pessoano, mesmo havendo poetas de alto nível operando na Terra Lusitana, a poesia portuguesa retoma a sua grandeza e se mostra ao mundo, nos Sixties. A 2ª geração de poetas experimentais de Portugal, não representou um corte, uma ruptura com relação aos históricos que a precederam, mas uma continuação, com acréscimos das experimentações que, cada vez mais abarcaram modos e linguagens e meios e, como que numa interacção dos processos, os históricos continuaram experimentais e atuais. António Barros, nascido no Funchal, em 1953, pertence à 2ª geração de poetas experimentais portugueses e, de insular, passou a continental e planetário, fazendo de sua poesia uma obra em diálogo com o Planeta, colocando a Língua Portuguesa em destaque, mesmo podendo operar com outros idiomas, naquilo que comparece de verbal em seus poemas. É um poeta – e nem seria o caso de discutir aqui se se trata de um poeta ou de um artista plástico o autor de trabalhos tão visuais que se configuram objetos (ou gestos) ou instalações, adentrando o universo do tridimensional. E seu trabalho é exponível (e o artista-poeta participou de inúmeras exposições e antologias em Portugal e em outros países, oferecendo as peças à decodificação, ou seja, deixando que os seus complexos sígnicos fossem apreciados por leitores, como que almejando aquele leitor ideal, que haverá de existir: as obras, elas-mesmas estão em busca do leitor ideal. É difícil selecionar poemas de António Barros para uma antologia-livro ou exposição, pois que sua obra impõe-se pela qualidade e sempre é o conjunto que se coloca, em detrimento de particularizações. Impossível (um desafio) seria escolher apenas um dentre os poemas que tenham caído no gosto pessoal, mas estaria, já, bem representado, com o sequencial TrAdição/Traição (1979), que comparece em muitas antologias e que ampliado (esta parece ser a sua melhor forma) participou de mostras muitas. Algumas características comuns na poesia portuguesa da contemporaneidade aparecem com grande relevo na poesia de António Barros. O poeta opera no que se pode chamar Era-Pós-Verso, apesar do verso e de outros cometimentos verbais dotados de eurritmia. E, assim como domina tecnologias de outras artes, possui o know-how do verso – o verbo comparece na medida do necessário em seus trabalhos. Convivência com os experimentais históricos, com trocas importantes de ambas as partes. Postura clara, mesmo em época em que manifestos e polêmicas com substância já não seriam viáveis. Capacidade metalinguística, que se configura em trabalhos teóricos e discussões abertas. O não sectarismo, apesar da clareza de posições poéticas/políticas. Um certo engajamento com relação a causas ditas sociais ou sócio-políticas. Da página do livro ao vídeo e às paredes de uma galeria ou performando (apresentando-se pessoalmente), em busca da veiculação eficaz, visando a um público não sabido mas certo – o poema transita de um medium para outro sem perda de informação estética, sendo já pensado para esta façanha intermidiática. Fusão e/ou justaposição-superposição de códigos/linguagens, em incursões propriamente intersemióticas (a vivência Fluxus deixou os seus frutos). O enfrentamento de assuntos arte-ciência com a experiência de quem esteve a estudar Medicina. Alto teor conceptual dos trabalhos, poeta-pensador que é. Valorização da presença do autor/mentor por meio de performances – António Barros é um performer legítimo. Sem menosprezar as tecnologias tradicionais (possui, também, formação em Artes Plásticas e noutras artes), abraça as novas fazendo uso adequado das respectivas linguagens de que tais tecnologias são portadoras. Trabalho que se origina em Portugal, visando ao Mundo, no anseio internacionalista. Operando num Portugal pós-1974, mais do que veiculação em revistas, têm lugar exposições e performances, numa investida internacional com poucos precedentes. E reunindo todas essas qualidades, António Barros é um poeta que adentra, com lastro e competência, o novo século, o novo milênio provando que a Poesia que pratica encontra-se na ordem-do-dia: viva e atraente, a interessar leitores/apreciadores jovens e leitores mais experientes. A investida internacional, iniciada pelos “históricos”, intensificou-se com os poetas portugueses da 2ª geração, o que colocou a poesia visual-performática-experimental portuguesa num confronto internacional mais visível, ocupando o merecido lugar que ocupa no contexto poético mundial. António Barros, integrando uma verdadeira pléiade de poetas, é um dos valores mais representativos de um Portugal-maior.
Omar Khouri. São Paulo 12 março 2016