Texto de Liliana Vasques sobre obra de Bruno Ministro. [Texto. Ligação]
Collected Works 2008-2016 é um livro impresso de capa dura e tamanho aproximado à referência A4, desenhado e publicado pelo autor Bruno Ministro. É composto por 718 páginas do histórico de pesquisa Web do autor feita através do motor de busca Google entre os anos 2008 e 2016. Este trabalho retoma e apropria, deliberadamente, traços estéticos da edição enciclopédica, tradicional (visíveis nas opções de cores de capa e título bem como nos materiais que a compõem) de um tempo que se pode considerar pré-digital na Literatura.
Este trabalho solicita o questionamento em torno de duas importantes categorias e definições: Literatura e Literatura Digital. Collected Works interpela, assim, a própria definição de Literatura bem como os temas, estratégias e técnicas que lhe estão associadas. Bruno Ministro re-organiza o seu histórico de pesquisas web com as características formais do livro, apropriando informação pessoal (decorrente da utilização da Internet) e recontextualizando –a no espaço da página impressa e do livro. Um gesto artístico que convoca o campo da Literatura e coloca questões – isto é Literatura? O que é Literatura? Pode um trabalho literário não implicar o ato de escrever, tal como o entendemos habitualmente? Este tipo de questões retoma e evoca movimentos artísticos experimentais e avant-garde e movimentos literários como, por exemplo, Dada, Arte Conceptual, OULIPO, Fluxus, Concretismo porque estes convidam à diluição e transgressão das fronteiras e das definições dos campos artísticos. A experimentação com métodos e temas imprevisíveis, muitas vezes ‘emprestados’ de outros campos do conhecimento e da prática humana. Tal como The Fountain de M. Duchamp na arte contemporânea ou os livros impressos de Kenneth Goldsmith ou o trabalho fotográfico de Sherrie Levine, a ‘antologia’ de Bruno Ministro questiona o valor artístico da apropriação, da reconfiguração e da recontextualização – como devemos relacionar-nos, enquanto críticos e consumidores, com arte e literatura que propõe um afastamento da noção de originalidade enquanto sinónimo de singularidade e de origem (de algo completamente novo)? Ou, de outra forma, como podemos olhar, criticar, analisar um trabalho artístico que não pretende (esta) a originalidade? Mas Collected Works materializa, ainda, um outro gesto – o da paródia – visível na ‘seriedade’ da escolha estética e formal associada a um tipo de Literatura tradicional e canónica – um livro de capa dura, pesado e volumoso, com o título em cor dourado brilhante e tipo de letra sólido, não-serifada.
A categoria Literatura Digital é interpelada por este trabalho porque, antes de mais, o seu conteúdo é, ostensivamente, específico da cultura digital e dos seus meios de comunicação, pesquisa e partilha. Um livro composto por registos de sites visitados na Internet não poderia existir sem a infraestrutura e desenvolvimento tecnológico que permitiram a disseminação da Internet nem sem a prática de codificação digital da informação. Ao mesmo tempo, Collected Works exibe um formato típico da literatura pré-digital – o livro impresso. Pode a literatura digital incluir trabalhos com estas propriedades materiais? Até onde podemos ir na definição desta categoria? O trabalho de Bruno Ministro propõe, pelo menos, uma extensão – que à ideia de “as possibilidades oferecidas pelo computador”, presente na definição de literatura digital, se acrescente as possibilidades oferecidas pelas sociedade e cultura digitais. Isto porque, além do conteúdo que o compõe, é um trabalho que sugere uma reflexão em torno da linguagem e dos temas em discussão específicos da vida, da sociedade, da cultura digitais. Concretamente, ao re-clamar a informação sobre o seu histórico pessoal de pesquisa Web, Bruno Ministro questiona a propriedade da nossa atividade na Internet (quem é o dono do seu histórico Web? Ele ou a Google?). Ao publicá-la, enfatiza a primeira questão e acrescenta outra sobre a privacidade e a mercantilização da informação pessoal (quem pode partilhar com terceiros a nossa informação pessoal? Nós ou a Google? Porque é que esta informação pode ser vendida e usada por corporações?). Usando dados pessoais que, provavelmente, foram já incluídos em aglomerados de big data (adquiridos para traçar perfis de consumo, gostos e comportamentos) , este trabalho toma parte na crítica à cultura digital e à ubiquidade digital possível através da constante partilha de informação e sua transformação em dados (data). Podemos designar Collected Works como literatura digital porque, entre outras características, questiona o desenvolvimento da sociedade digital?
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