Texto de Enzo Minarelli sobre ‘O Despertar Do Funâmbulo’, de Américo Rodrigues. [Texto. Ligação]
A história da poesia sonora divide-se entre quem usou a palavra na sua integridade (vejam-se os Futuristas italianos e os Dadaístas) e quem a violou, aniquilando-a e reduzindo-a a pura papa fonética (vejam-se os Futuristas russos e os Letristas, até aos produtos típicos da poesia sonora da era do pós guerra).
Ora, o caso de Américo Rodrigues é, sem dúvida, interessante por múltiplas razões.
Diga-se desde já que o seu trabalho se enquadra, sem dúvida, dentro do segundo filão. Mas há que ter muita atenção ao avaliar a fundo o seu esforço sonoro, porque é de facto um verdadeiro esforço. Basta ouvir os seus CDs e ver a sua performance para compreender que o seu é um verdadeiro esforço corporal.
Não estamos perante exemplos de linguagem triturada, ele não tem necessidade de partir da linguagem, não precisa. Neste sentido podemos dizer que amplifica algumas intuições já tidas por Hugo Ball ou Raoul Hausmann, no início do século: o potencial é bucal. E, de facto, Américo Rodrigues mostra a musculatura da boca, todos os ruídos que o aparelho bucal pode fazer. É o próprio corpo que fala a sua linguagem primitiva, numa situação pré-babélica, onde o tudo e o nada se tocam. No seu caso a parte física da voz é o próprio corpo.
A sua procura é canalizada para os extremos de um Jaap Blonk ou de um Nobuo Kubota e para o já feito por um Paul Dutton ou Valeri Scherstianoj. E, deste ponto de vista, está perfeitamente legitimada. É de notar que o seu trabalho tem uma ponta de agressividade que, em nosso entender, é necessária para desenvolver um forte impacto no ouvinte-espectador.
Estamos, por fim, felizes que da terra lusitana, através de um trabalho raro de poesia sonora, tenha finalmente nascido um poeta semelhante que desdobra a poesia sonora, de um modo tão puro e tão original, sem suportes electrónicos (como era o caso da vídeo-poesia de Melo e Castro) e sem suportes visuais (como nas performances de Fernando Aguiar). Na verdade Américo Rodrigues entrega-se ao poder da sua garganta, sem truques nem enganos, para encantar, estontear e seduzir o público.
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[Agradecemos a Enzo Minarelli a autorização que permitiu publicar este texto no Arquivo Digital da PO.EX]