Poesia da Vanguarda

Carta de Arnaldo Saraiva ao director do ‘Jornal de Letras e Artes’, em resposta a carta anterior de Melo e Castro. [Texto]


Saraiva, Arnaldo. 1966. “Poesia da Vanguarda”. Jornal de Letras e Artes, Ano V, no 237, 27 de Abril, secção Cartas ao Director, p. 3.


Senhor Director,

Uma viagem pelo interior do Brasil e o natural atraso com que recebo o correio não aéreo de Portugal (falando-se tanto em comunidade luso-brasileira, não há uma carreira regular de barcos entre Portugal e Brasil) fizeram com que responda um pouco tardiamente a uma carta de Melo e Castro publicada na edição de 2/3/1966 do «Jornal de Letras e Artes». Reporta-se essa carta a uma crónica minha, melhor dizendo, à passagem dessa crónica em que afirmei que desde 1947 não há na poesia portuguesa «um movimento sério e sadio (Poesia 61 desistiu, Poesia Experimental não resistiu).»

Achando-a decerto confusa, Melo e Castro houve por bem esclarecê-la com três alíneas, que resumo: 1) Está pronto há vários meses um segundo número de Poesia Experimental; 2) Nesse segundo número aparecem novos colaboradores; 3) Os colaboradores do primeiro número têm continuado a trabalhar, embora em silêncio.

Que tem isto a ver com o que eu escrevi? Melo e Castro não fez um esclarecimento: fez um anúncio. Mas como a mim – e ao comum dos leitores – não me interessam muito, ou nada, os projectos ou as promessas literárias, só me restaria agradecer a informação de Melo e Castro, se a não julgasse absolutamente inútil. Na verdade, qual de nós duvida que os colaboradores do primeiro número de Poesia Experimental continuam a criar? Por mim, sei tão bem que o segundo número de Poesia Experimental podia ter saído há cerca de um ano que eu próprio deveria ter sido um dos colaboradores, pois a pedido de Herberto Helder e António Aragão escrevi, para esse segundo número, um texto crítico, que aliás ainda está inédito.

O equívoco de Melo e Castro é pensar que basta uma revista, com um, dois ou mais números, para gerar um movimento literário «sério e sadio» (como eu escrevi). Quando apareceu Poesia Experimental, fui dos poucos que aplaudiram a ideia ou o espírito que presidiram ao seu lançamento – Melo e Castro deve lembrar-se disso (se não se lembra, o lapso nunca será tão grave como aquele que motivou a exclusão de um dos primeiros «poetas experimentais», António Maria Lisboa, do apêndice bibliográfico e da antologia do seu prestimoso A Proposição 2.01 – Poesia Experimental).

Se afirmei, portanto, que Poesia Experimental não resistiu como movimento literário foi porque, até agora, faltou ao volume publicado (em particular), e ao grupo (em geral), a devida organização crítica, a necessária estruturação filosófica, ou apenas o talento, para se imporem como movimento literário. Desaparecendo essas deficiências, e a cega crença, que por vezes parece possuir alguns dos elementos do grupo, na arbitrariedade e gratuitidade da experiência poética (que se diria de um cientista que experimentasse ir à lua sobre uma simples folha de papel?), é natural que os poetas experimentais oficiais possam transformar-se em «sérios e sadios» movimentadores.

Mas isso é assunto para depois da publicação de Poesia Experimental – 2, ou de algumas obras que estão a criar-se em silêncio – nunca para depois da carta de Melo e Castro.


[Agradecemos a Arnaldo Saraiva a autorização que permitiu disponibilizar este texto no Arquivo Digital da PO.EX]