Texto de António Pedro Pita sobre ‘Amant Alterna Camenae’, de António Barros. [Texto. Ligação]
Apenas alguns corpos, um foco de luz projectado em écran portátil, uma construção ou resto, o que fica do devastador movimento do mundo, /
uma luminosidade branca derramada sobre palavras e movimentos./ … Apenas o espaço aberto, / não, / criado por um movimento de corpos, / que são o próprio corpo do movimento. E palavras. Lidas.
Falo de Amant Alterna Camenae de António Barros, instalação (1) e acção multimedia (2) ocorridos na Galeria CAPC.
É uma apaixonada leitura de um livro de Maria Gabriela Llansol, Causa Amante (3). Mas para uma recepção da acção multimedia este ponto parece-me relativamente secundário:
“o que me atrai no livro é que se abra. Que eu possa ir a todos os seus recantos, como se ele fosse um labirinto de acções, um guia em mundo que desconheço, uma sequência de imagens exactas, uma paisagem com força de existir, um velho manuscrito que fale verdade, e responda”.
/ Ou: ” foi na busca da mulher que principiou o meu caminho, é nele que encontrei o livro”.
/ Ou: “era uma vez um animal chamado escrita, que devíamos, obrigatoriamente, encontrar no caminho; dir-se-ia, em primeiro, a matriz de todos os animais; em segundo, a matriz das plantas e, em terceiro, a matriz de todos os seres existentes”.
Onde as coisas parecem ser interessantes é precisamente na encenação deste animal chamado escrita. Na criação do lugar de emergência do seu movimento. Porque à escrita, ao livro não se pede (não lhe pedimos) que transmita um saber. Mas uma direcção. Que mostre uma face, é a sua expressão pobre: pede-se-lhe a cintilação de sinais fugazes: um desejo.
Por isso, para os corpos que deambulam pela sala, numa errância cadenciada e persistente
Aqui
É tudo,
Nada
Entre Tudo e Nada.
É neste intervalo entre tudo e nada que a viagem ocorre. Chamamos-lhe navegação, mundo que desconheço. É nele que está paisagem com força de existir.
Escrita.
E é uma mulher – foi na busca da mulher que principiou o caminho – que atravessa o espaço cénico, o desconhecido do mundo, não a paisagem mas a força de existir da paisagem, e lê. Palavras frágeis. Sons. Texto lentamente desfolhado: mulher, que, ao juncar o chão, num convite ao silêncio, a cada pausa anunciado e diferido a cada recomeço, abre (inaugura) a sala destinada unicamente à alegria dos rios. Palavras: linhas de água.
Multimedia: não porque sejam vários os meios mas porque um meio vai sendo vários.
Escrita: voz: linha de água: silêncio.
Corpo: movimento: voz música.
Luz: projecção: sombra: branco.
“Não falam sobre a língua, escrevem, e tudo isto é mestria na arte infinita das migrações; quem pôde chegar aqui? ; estar com eles neste espírito consciente tão veloz, e que não deixa traços, nem de impaciência, nem de saudade; para lá da geografia dos lugares há esta geografia.
a rapariga que temera a impostura da língua amava muito as pastagens frias do Brabante porque acreditava que o lugar de onde via o cabo Espichel se tornara causa de fidelidade.
Hoje, aqueles a quem eu chamo os criadores por não saber reamente quem eles são, ou o que eles fazem, vieram buscar-me a casa”.
Notas >
(1) – 5 a 30 de Dezembro de 1987, Galeria CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra; Exposições Experimentais, Secretaria de Estado da Cultura.
(2) – 12 a 19 de Dezembro de 1987, Galeria CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra; Exposições Experimentais, Secretaria de Estado da Cultura.
(3) – A Regra do Jogo, Edições, Lisboa.
V(l)er tb >