Texto de António Barros para a exposição da Fundação Calouste Gulbenkian “Anos 70 Atravessar Fronteiras”, sobre videoarte a (in)visibilidade. Sinopse de várias peças. [Texto]
Para a exposição da Fundação Calouste Gulbenkian “Anos 70 Atravessar Fronteiras”, solicitaram-me uns trabalhos dessa época em videoarte que eu já não os tinha presentes.
Abordavam um tema que curiosamente hoje ainda se inscreve no meu trabalho – a (in)visibilidade.
Vejamos então um registo do texto enunciando a sinopse de cada uma das peças:
P e r p l e x i d a d e s ,1979 [arte vídeo] Desenha um itinerário de visitação através do olhar de um amblíope profundo.
Este olhar, em negro, resolve-se na sonoridade da marcha com rudeza na calçada basáltica, envolto pela força do odor da húmida vegetação. Convoca a fundamentação do “ambiente” como eleição do lugar habitado (aqui o negro quarto do castigo), mas já muito próximo da escuridão total onde a imagem sofre outras transcendências.
Este apelo à conceptualidade resulta redentor, e o objecto visível esgota-se na própria dimensão física do ecrã como janela de um abismo castigador.
Mais do que um estilo de vídeo-arte é uma arte (a)videografada pela impotência do olho que se quer soltar do crâneo revoltado pela sua condição anulatória. Em suma: é um objecto ‘autofágico’, como razão de imagem, dando lugar ao espaço comprometido obrigado a uma arte do “environment” que aqui já se fazia anunciar.
Para construir este ‘objecto’ acompanhei um jovem amblíope, no seu tempo e lugar de vivenciação, em Coimbra, na Escola Martim de Freitas, paralelamente aos meus estudos em Medicina que na altura surgiam.
Recorri em Lisboa ao Instituto Helen Keller, e trabalhei durante algum tempo em Psicodinâmicas e Exploração do Potencial Sensorial para a afirmação plástica. Tudo para reunir elementos que resultassem rigorosamente adequados.
Portanto o objecto, “Perplexidades”, obrigaria (para além do odor da sala), um espaço vazio, em negro, para “instalar” os envolventes que a dramatização do tema convida. Tudo para nada ver. Ou quase nada.
M u l t i / E c o s , 1979 [arte vídeo] Há aqui uma leitura videográfica de uma obra compósita: A performatividade latente num corpo anulado no seu movimento total – Rui Orfão (o então performer-pintor ), empresta o escultural estar. E sobre a sua máscara de alceste – o texto ” VerDade” aplicado sobre as apagadas lentes dos óculos que, intervencionadas, reduzem a quase total visão condenando-o à reflexão introspectiva e à agonia, sempre profícua, da oração
[” ignOrar” ].
Portanto, ” Perplexidades” e “Multi/Ecos” [título em compromisso com o evento pluridisciplinar onde este exercício vem a ser formulado] são, na verdade, uma arte do não ver. Da não imagem. Ou mesmo do pânico de, em algum momento, poder já não ver.
Mas, e muito graças à espectacularidade que esta tipologia temática tem merecido na nossa cultura mais sublinhada [” Um ensaio sobre a cegueira” do Fernando Meirelles a partir de José Saramago, ou mesmo “Branca de Neve” do João César Monteiro], julguei, de todo, pouco oportuno eu fazer-me representar na iniciativa “Anos 70 Atravessar Fronteiras” com estes trabalhos.
Seria um atravessar fronteiras, é certo, mas outras que nos conduzem ao recuo e à transcendência para o nosso abismo interior.
Visto isto, então para onde é a fuga agora? O que talvez mais me representou nos anos 70 foram os trabalhos que se inscrevem na Poesia Experimental Portuguesa [para alguns autores o “Visualismo Português”], com textos como os “Escravos”, que resultaram simbólicos de uma temporalidade particular. É este texto um ícone das falências do sonho. E foi ele que veio a residir em “Anos 70 Atravessar Fronteiras”.
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