António Barros, PROGESTOS_OBGESTOS, 1972-2012

Texto de Jorge Pais de Sousa, Comissário da exposição «António Barros, PROGESTOS_OBGESTOS, 1972 – 2012», na Casa da Escrita, Coimbra, 30 nov. – 21 dez. 2012, Ciclo Nas Escritas PO.EX.


O quotidiano que não deixa ver e a proximidade do ser-aí constituem o desafio para abordar a exposição, retro e prospetiva, de António Barros.

Nasce no Funchal em 1953. Herberto Helder e António Aragão publicam, onze anos depois, Poesia Experimental: Antologia. Em 1970, António Areal escreve Textos de Crítica e de Combate na Vanguarda das Artes Visuais. Este livro e a sua pintura tornam-se dois referenciais para o jovem António Barros que, no ano de 1972, produz “A Noite”, a assinalar o início de um percurso. É no espaço da insularidade, de poetas e pintores, que radica e desponta a relação que estabelece cedo com o mundo das artes.

Em 1973 chega a Coimbra para estudar Medicina. A intervenção convulsiva do Círculo de Artes Plásticas no tecido social e urbano de Coimbra, convoca-o, em 1974, a inscrever esta comunidade artística, juntamente, com Alberto Carneiro e Ernesto de Sousa. Este considera em A Vanguarda está em Coimbra / A Vanguarda está em ti, a propósito da “Semana da Arte (da) na Rua” dinamizada pelo Círculo no ano de 1976, como a “única ‘sociedade artística deste país que mantém um espírito de workshop…” (cf. Ser Moderno… em Portugal, 1998) No ano seguinte, é a vez de “The Living Theatre” de Julian Beck atuar no Pátio da Universidade e participar a seguir numa Festa/Refeição organizada no CAP.

Ernesto de Sousa organiza a “Alternativa Zero” e convida-o para expor individualmente, também em Lisboa, na Galeria Diferença, onde apresenta em 1977 – um ano decisivo para a afirmação e internacionalização da arte contemporânea -, entre outros, “TrAdição/Traição” e “Escravos”. Este último poema visual icónico é premiado, no âmbito do “Concurso Nacional de Poesia 10 Anos do 25 de Abril”, por um júri composto por Sophia de Mello Breyner Andresen, José Carlos de Vasconcelos, Manuel Alegre, David Mourão Ferreira e Urbano Tavares Rodrigues. Nele se condensa uma crítica à história recente de Portugal, que “mostra mas não narra” como observou Alberto Pimenta, simultaneamente, provocadora e trágica.

Durante a XIV Bienal de São Paulo de 1977 António Aragão apresenta, para a TV Globo do Brasil, o objeto-poema ‘Verdade’* de António Barros. Uns óculos perdidos, quando descontextualizados do uso diário, sugerem uma hermenêutica do conceito de Ser/Ver.

A escrita plástica de António Barros desvela-se na colaboração em Loreto 13: Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, em 1978, com os poemas visuais “Energia” e “Viver/Não Viver”.

Wolf Vostell, um dos elementos mais destacados do movimento FLUXUS em conjunto com Joseph Beuys, vem a Coimbra, em 1979, e conhece a exposição “Poesia Visual” de António Barros organizada no CAP. Os trabalhos “gRitos da Angústia e do Sarcasmo” suscitam-lhe um especial interesse e uma leitura sociológica particular. Surge o desafio e vai trabalhar com Wolf Vostell, em Leverkusen, na Alemanha, no Vostell Fluxus Zug, Das Mobile Museum.

Por esta altura, os seus objetos-poemas respondem a uma “arte de situação” enunciada no situacionismo do livro La Societé du Spectacle (1967) de Guy Debord, que inspirara, em grande medida, os acontecimentos de Maio de 1968. É nele, e na filosofia FLUXUS, que encontramos os referentes principais para a sua programática de trabalho como negação do espetáculo: a) aproximar a arte da vida, ou esteticizar a existência concreta – ou para utilizar uma “categoria” estética de António Barros – assumindo uma “Artitude” perante a vida, num contexto em que esta surge como a arte performativa em si mesma; b) o fabrico intencional de uma arte pòvero com recurso a objetos e a materiais despojados, o que pressupõe uma procura concetual incessante e uma “mão” inteligente para os dar a ver; c) o recurso lúcido ao preto (luminescente) e branco (luz), referidos sempre à crueza do real.

Num tempo de ausência de apoios para a internacionalização, e correspondendo aos convites de Robert Filliou e de Serge III Oldenbourg, elementos do movimento FLUXUS em França, publica trabalhos seus nas revistas Calibre 33 de Nice, e em Rapport de Paris. Enquanto o texto visual “Sociológica’* é desenhado e apresentado na Facoltà de Scienze Politich da Universidade de Bolonha, no âmbito da iniciativa “Concreta, Experimental, Visual, Poesia Portuguesa 1959-1989”. Com a direção de Julien Blaine, a revista francesa Doc(k)s publica os seus textos visuais, e ‘toda uma ação pública’ com presença na Performance Arte portuguesa.

Num percurso de desmaterialização da arte, entre 1980 e 1985, António Barros desenvolve o conceito de progesto que coloca o ato artístico no sentido da desconstrução fundamentando-o operativamente com a organização do Simposium Internacional: ‘Projectos & Progestos, Novas Tendências nas Linguagens Artísticas’, que dirigiu com Rui Orfão, convocando e trazendo pela primeira vez a Portugal e ao Teatro Estúdio do CITAC, no contexto da atividade do grupo de sensibilidade fluxista ARTITUDE:01 que fundara antes, referências incontornáveis da arte contemporânea como Alistair MacLennan, Stathion House Opera, James Coleman, Nigel Rolfe, Mineo Aayamaguchi, Lydia Schouten, Erna Nijman, Peter Trachsel, Ernst Thoma, Frank Na, Basement Group, Julien Maynard Smith, Plassum Harel, ou Ken Gill (cf. Esta danada caixa preta só a murro é que funciona: CITAC 50 anos, 2006).

Explorando sempre a plasticidade dos objetos, António Barros cria em 1990 a esculturalidade do “Prémio de Estudos Fílmicos Universidade de Coimbra”, com que foram laureados Alain Resnais, Manoel Oliveira, Paulo Rocha e João Bénard da Costa.

Mais recentemente, em 2010, assume para os seus objetos-poemas uma nova gramaticalidade ao formular o conceito de ‘obgesto’, em estudos ensaiados na exposição Obgestos inserida e apresentada em “Line Up Action: Festival Internacional de Arte da Performance”, no Edifício das Caldeiras da Universidade de Coimbra (cf. http://barrosantonio.wordpress.com).

“Paradigm Shift” de 2011, no Museo de Arte Contemporánea (MUSAC) na cidade espanhola de León, recontextualiza o poema visual “TrAdição/Traição”’, como exemplo de referência internacional para a arte dos anos 80, enunciado a par da arte de, entre outros, Christian Boltanski, Gilbert & George, Joan Jonas, Gordon Matta-Clark, Robert Morris, Bruce Nauman, Claes Oldenburg, Dennis Oppenheim, Gina Pane, Michelangelo Pistoletto, Richard Serra e Gilberto Zorio.

Em “aL(a)ma”, 2010-12, transfere para o obgestual um relato semiótico da catástrofe ocorrida na Madeira, a 20 de fevereiro de 2010, em diálogo com a obra “Insulae”, 2012 (Coimbra-Funchal), peça onde os lutos e as lutas se ‘conFundem’ (e ‘conFluem’) numa ritualização da ‘palavra’ que convulsivamente se questiona iconogravando o ‘sentido’.

Ao apelo político para emigrar responde com “Ex_Patriar”, 2011, numa revisitação de PO.EX, 1999, que surge agora como ‘obgesto’ simbólico dessa lástima de um tempo.

Na mesma contextualidade, a obra “Asa Morta”, 2012 – leitura de um país “em círculo, sempre em círculo, com a asa morta agarrada ao corpo” – progestualiza (“Nas Escritas PO.EX”, Casa da Escrita, Coimbra), a “fatal_idade do lugar luso onde a escrita visual – da palavra preSente à palavra auSente – se flageliza (d)enunciando uma morte do prolixo ser social no ‘abismo’ das vontades”.

Em “Uma Luva na Língua”, estudos de vinte autores – de José Tolentino Mendonça a E. M. de Melo e Castro -, formula-se uma leitura em livro do percurso de obra de António Barros.

Em Portugal, uma parte significativa da sua obra integra a Coleção de Arte Contemporânea do Museu de Serralves.

Também está representado no Museu de Arte Contemporânea Fortaleza de São Tiago, Funchal, e na Universidade do Porto.

No estrangeiro, tem presença nas coleções do Museo Vostell Malpartida, Espanha. Na Fundação Cavellini em Bréscia, Itália, e na Universidade do México.

A sua obra está representada em diversos catálogos como Serralves 2009 a Colecção (2009) e Povo – People: Exposição – Exhibition (2010), e em diferentes livros antológicos: PO.EX: Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa, organizado por Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro (1981); Poemografias, organizado por Fernando Aguiar e Silvestre Pestana (1985); III Rencontres Internationales de Poesie Contemporaine, Festival de Cogolin, França (1986); e Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80, organizada por Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro (2004).

Nesta exposição, evocativa de 40 anos de intervenção artística de António Barros, somos interpelados para fazer e cruzar diferentes leituras sobre uma narrativa que é pontuada pelos conceitos de Progestos e Obgestos e que constituem, por sua vez, o fio condutor de uma trajetória que desponta na década de 70 e se encontra em pleno desenvolvimento.


Coimbra, 28 de novembro de 2012. Jorge Pais de Sousa, Comissário


Agradecimentos: Augusta Vilalobos, Paulo Fonseca, Laurindo Fonseca, Paulo Oliveira, Margarida Anjos Amaro, Lúcia Santos e Silvestre Pestana.


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