O Po-ex.net, Arquivo Digital da Literatura Experimental Portuguesa: Uma Recensão

Texto de Álvaro Seiça sobre o Arquivo Digital da PO.EX. [Texto. Ligações]


[Este texto foi originalmente publicado em inglês (http://directory.eliterature.org/node/3766) no Electronic Literature Directory, parceiro institucional do po-ex.net, tendo sido redigido no âmbito do programa de doutoramento do seu autor, na Universidade de Bergen, Noruega.]


O Po-ex.net é um arquivo digital de literatura experimental portuguesa que se iniciou em 2005. Coordenada por Rui Torres, da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, em Portugal, esta base de dados literária foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pela União Europeia, no âmbito de dois projectos principais: “CD-ROM da PO.EX: Poesia Experimental Portuguesa, Cadernos e Catálogos” (2005-2008) e “PO.EX’70-80: Arquivo Digital da Literatura Experimental Portuguesa” (2010-2013).

O primeiro projecto de investigação procurou fazer um levantamento – inventariando, documentando, pesquisando e difundindo o conhecimento – sobre a literatura experimental portuguesa. Esta iniciativa recolheu e digitalizou materiais do movimento PO.EX, o movimento de POesia EXperimental iniciado na década de 1960. Com a publicação dos cadernos antológicos Poesia Experimental 1 (1964), organizado por António Aragão e Herberto Helder, e Poesia Experimental 2 (1966), organizado pelos mesmos autores e E. M. de Melo e Castro, estabeleceu-se um movimento activo de escritores, artistas e músicos (a PO.EX), como Álvaro Neto (Liberto Cruz), Ana Hatherly, António Aragão, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder, Jorge Peixinho, José-Alberto Marques e Salette Tavares. A heterogeneidade destes autores, bem como a organização, por Melo e Castro, das revistas Operação 1 (1967) e Hidra 2 (1969), nas quais participam vários dos autores dos Cadernos de Poesia Experimental, mas também Silvestre Pestana, alargou o espectro da sua produção criativa, fazendo com que a noção do experimentalismo português não se resumisse, nem pudesse ser resumível, apenas à poesia concreta, mas, antes, a uma proliferação de vectores criativos com um carácter aberto e verdadeiramente “experimental”, aglomerando práticas como a poesia visual, a poesia e arte conceptual, a poesia sonora, a “poesia-objecto”, a “acção poética” (ou happening) e a exposição.

Deste modo, o primeiro projecto de investigação do PO.EX centrou-se nestas práticas e géneros, construindo um arquivo digitalizado das obras de referência, sobretudo dos cadernos de 1964 e 1966, catálogos, revistas e publicações dos anos 60. Para além de impulsionar o envolvimento de vários pesquisadores e a publicação de artigos científicos, capítulos de livros e monografias (e. g. Baldwin e Torres 2014, Portela 2013), os principais resultados desta primeira fase foram as remediações ou recriações digitais em ActionScript (“releituras”) de obras de poesia concreta e visual, e a produção de um CD-ROM (disponível em https://po-ex.net/evaluation/), no qual se podem consultar estas releituras, bem como aceder aos volumes ensaísticos de enquadramento teórico, para além de ler e manipular as edições originais digitalizadas.

O segundo projecto de investigação assimilou o fluxo de continuidade do movimento experimental, nas décadas de 1970 e 1980, coligindo novos materiais relacionados não só com a ficção experimental e a poesia intermédia (visual, sonora, videopoesia), mas também com a literatura cibernética, ou ciberliteratura (Barbosa 1996). De facto, o movimento da PO.EX expandiu-se em número e em géneros, sendo que, dos anos 60 até final da década de 1980, entre novas revistas, antologias, publicações e exposições, outros autores – como Abílio-José Santos, Antero de Alda, António Barros, António Dantas, António Nelos, Armando Macatrão, César Figueiredo, Emerenciano, Fernando Aguiar, Gabriel Rui Silva, Pedro Barbosa e Silvestre Pestana – reavivaram as práticas experimentais, com o recurso à performance, happening, instalação, videopoesia, literatura gerada por computador (LGC) e infopoesia (poesia electrónica). Assim, é neste âmbito que surge a primeira versão da base de dados PO.EX, construída em DSpace, fornecendo biografias dos autores e um enquadramento teórico sobre o movimento e o projecto, com diversos artigos científicos.

Em 2014, após quase dez anos de trabalho de resgate, digitalização e emulação, surge em pleno o arquivo completo. Todo o material reunido é realmente extraordinário, ainda para mais tendo em conta que grande parte estava há muito esgotada, apenas acessível em monografias impressas (e. g. Melo e Castro 1988) ou mesmo inacessível: entre outros, estão disponíveis os videopoemas (1968, anos 80, 90 e 00) e infopoemas de E. M. de Melo e Castro, foram digitalizadas e emuladas as primeiras obras de poesia e ficção gerada por computador (anos 70 e 80) de Pedro Barbosa, contendo o respectivo código fonte programado em FORTRAN, ALGOL, NEAT e BASIC num computador de largo porte, e estão igualmente concluídas, embora para já indisponíveis, as emulações da série de poemas Computer Poetry (1981-83) de Silvestre Pestana, programados em BASIC num Sinclair ZX-81 e Spectrum, cujas imagens de ecrã (fotografias ou impressões) poderiam apenas ser apreendidas, provavelmente, na colectânea Poemografias: Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa (1985).

É, portanto, esta característica que faz com que a base de dados PO.EX seja única e adquira um valor acrescentado em relação a outras no domínio da literatura electrónica – desde as que começaram no mesmo período, como o Electronic Literature Directory da ELO (http://directory.eliterature.org/) e o NT2, Directório de Arte e Literatura Hipermédia (http://nt2.uqam.ca/), até às mais recentes, como a ELMCIP Electronic Literature Knowledge Base (http://elmcip.net/) –, já que as obras documentadas e os seus ficheiros multimédia são fontes primárias criadas directamente pela equipa do projecto. Por outro lado, há também diferenças estruturais, que podem ser referidas sobretudo ao nível da densidade do sistema de referências cruzadas nas entradas e o grau de colaboração, i. e. criação de novas entradas por agentes externos, que é uma das mais-valias da ELMCIP KB e, em menor grau, do ELD, mais orientado para a descrição detalhada das obras, com entradas teóricas com arbitragem científica. Contudo, a criação do consórcio CELL (http://eliterature.org/cell/) promete colocar em prática uma maior interoperabilidade entre estas e outras bases de dados, fomentando um motor de pesquisa partilhado, a referência cruzada e a implementação de uma taxonomia comum. A actual taxonomia do PO.EX é bem justificada (Branco, Portela and Torres 2013) e articula coerentemente a diversidade de materiais e géneros, dividindo-se em duas grandes áreas: materialidades e transtextualidades.

O papel que o arquivo PO.EX tem vindo a desenvolver nos últimos anos revelou-se fundamental, tanto no território português e nas comunidades de língua portuguesa, como na rede internacional de literatura electrónica – tendo o movimento da literatura experimental sido teorizado na maioria pelos seus próprios autores, numa perspectiva interna (e. g. 1981), o projecto PO.EX é o primeiro levantamento sistematizado e exaustivo (mesmo que antologias como as de Ribeiro e Sousa 2004 tenham contribuído decisivamente), disponibilizando todo o seu arquivo na Internet, o que possibilita que não só os investigadores, mas também o público em geral tenham livre acesso às obras originais, biografias, dados bibliográficos e textos críticos. Mais ainda, o seu impacto tem-se demonstrado crucial na disseminação da ciberliteratura (o campo “marginal izado” [sic], Saraiva 1980, cit. in Torres 2008) dentro dos estudos literários portugueses e na criação de sinergias e linhas de pesquisa luso-brasileiras, patentes tanto no grupo de investigadores associados ao projecto, como na revista Cibertextualidades.

Neste momento, os objectivos futuros passam por reavaliar esta colecção de fontes, consolidar a continuidade do projecto e garantir o seu crescimento orgânico, enquanto base de dados, abrangendo as décadas mais recentes: 1990, 2000 e 2010.


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Criador/editor: Rui Torres / Universidade Fernando Pessoa

Ano: 2005

Tipo de recurso: Website / Base de Dados

Língua: Português

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  • Videopoesia
  • Livre acesso

Acessível em: URL: http://po-ex.net


Referências

Aguiar, Fernando e Silvestre Pestana (eds.). Poemografias: Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa. Lisboa: Ulmeiro, 1985.

Aragão, António e Herberto Helder (orgs.). Poesia Experimental 1 (1964).

Aragão, António, Herberto Helder e E.M. de Melo e Castro (orgs.). Poesia Experimental 2 (1966).

Barbosa, Pedro. A Literatura Cibernética 1: Autopoemas Gerados por Computador. Porto: Edicões Árvore, 1977.

—. A Literatura Cibernética 2: Um Sintetizador de Narrativas. Porto: Edicões Árvore, 1980.

—. Máquinas Pensantes: Aforismos Gerados por Computador. Lisboa: Livros Horizonte, 1988.

—. A Ciberliteratura: Criação Literária e Computador. Lisboa: Edições Cosmos, 1996.

Branco, Maria, Manuel Portela e Rui Torres. “Justificação Metodológica da Taxonomia do Arquivo Digital da Literatura Experimental Portuguesa”. 2013. <https://po-ex.net/sobre-o-projecto/referencias/torres-portela-castelobranco-justificacao-metodologica-da-taxonomia-do-arquivo-digital-da-literatura-experimental-portuguesa/> Acedido: 10 de Janeiro de 2014.

Hatherly, Ana e E. M. de Melo e Castro (orgs.). PO-EX: Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981.

Melo e Castro, E. M. de. Poética dos Meios e Arte High Tech. Lisboa: Vega, 1988.

—. “Videopoetry.” New Media Poetry: Poetic Innovation and New Technologies. Visible Language 30:2 (1996), 140-149.

Portela, Manuel. “Flash Script Poex: A Recodificação Digital do Poema Experimental”. Cibertextualidades 3 (2009), 43-57.

—. Scripting Reading Motions: The Codex and the Computer as Self-Reflexive Machines. Cambridge: MIT Press, 2013.

Ribeiro, Eunice e Carlos Mendes de Sousa (eds.). Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80. Coimbra: Angelus Novus, 2004.

Saraiva, Arnaldo. Literatura Marginal izada: Novos ensaios. Porto: Árvore, 1980.

Torres, Rui (org.). CD-ROM da PO.EX: Poesia Experimental Portuguesa – Cadernos e Catálogos. Vols. 1 e 2. CD-ROM. Porto: PO.EX, 2008. <https://www.po-ex.net/evaluation/index.html> Acedido: 25 de Outubro de 2013.

Torres, Rui e Sandy Baldwin (eds.). PO.EX: Essays from Portugal on Cyberliterature and Intermedia. Morgantown, WV: Center for Literary Computing/West Virginia University Press, 2014.