O lápis não rasga o papel – Jorge dos Reis, pintura e desenho

Exposição com “uma descodificação da Comissão da Censura e do lápis azul no contexto da celebração dos 100 anos da Revista Seara Nova”. [Textos. Imagens]


Galeria da Biblioteca de Alcântara, Lisboa. De 5 a 30 de Outubro de 2021.


Apresentação, por Jorge dos Reis >

Durante o Estado Novo a acção da Censura fazia-se de um modo gráfico e intencional, demarcando e anulando visualmente a escrita livre que caracteriza a liberdade de imprensa com que hoje lidamos e que foi ganha com a revolução de Abril. A Comissão da Censura de Oliveira Salazar e a Comissão do Exame Prévio de Marcelo Caetano utilizavam um lápis de cor azul com o qual seleccionavam e eliminavam os fragmentos de textos ou imagens que consideravam inadequados à luz dos princípios do regime vigente, decidindo sobre o que seria publicado e disseminado. Temas que fossem contra a moral emancipada pela ditadura e textos de natureza subversiva ou difamatória eram censurados de modo a limitar a contestação.

As publicações eram obrigadas a enviar quatro provas de prelo de página impressas de modo a vigiar a produção dos conteúdos textuais na imprensa da altura. Aquando da edição em papel a presença da censura não poderia ser perceptível pelo que a página deveria ser graficamente repaginada de modo a que a eliminação dos textos não fosse notória. Contrariando esta aparente invisibilidade da Comissão da Censura no objecto impresso, o presente projecto pretende enfatizar grandemente o modo gráfico do lápis azul, desvelando a sua violência e crueldade.

As pinturas agora apresentadas no contexto da exposição “O lápis não rasga o papel” colocam em confronto a presença da mancha visual do texto original, rejeitado, e a presença gráfica do lápis azul que impede a sua publicação. De modo determinado exagera-se aqui a expressão das linhas da censura para que se torne perceptível a sua presença pejorativa e silenciadora da voz da imprensa livre. Podemos visualizar traços de azul forte em várias direcções que demarcam e sobrepõem o texto prévio, o qual está a preto, na cor original da leitura em papel jornal, também ele feito de pinceladas musculadas, reveladoras da voz de quem quer informar o público na generalidade e partilhar a autoria da individualidade.

Todas as peças são de tamanho pequeno e portátil (formato A4), próprio das provas de prelo das tipografias da arte negra, dos jornais e revistas que foram obrigadas e enviar estes documentos impressos entre 28 de Maio de 1926 e 25 de Abril de 1974 para serem vigiados e censurados, para deste modo o regime político ditatorial e opressivo se conseguir proteger a si próprio. Estas pinturas evidenciam os tiques gráficos dos censores e cada pincelada que remete para o lápis azul exagera o seu modo de operar, tornando absolutamente visível a sua acção que se fez sentir fortemente, em especial, neste caso, da Revista Seara Nova e em inúmeros meios de comunicação impressos em papel.


No encerramento da exposição, a 30 de Outubro de 2021, às 18h30, na Biblioteca de Alcântara, Jorge dos Reis apresentou a performance “Onde fica a tipografia clandestina?”.



Um insensível inspector enfrenta
ferozmente um inabalável compositor.
Na sede da polícia política questiona-se
a existência de uma tipografia clandestina.
Da boca de um tipógrafo saem letras em
palavras que afrontam tortura e ditadura.